Licitação poderá exigir contratação de egressos do sistema prisional

Norma já foi sancionada, mas ainda depende de regulamentação

Foi sancionada, no dia 26 de outubro, a Lei Federal nº 13.500/2017, que entre outros pontos promove três alterações na Lei nº 8.666/93, a Lei de Licitações. No art. 24 foi incluído o inciso XXXV, que prevê a dispensa de licitação “para a construção, a ampliação, a reforma e o aprimoramento de estabelecimentos penais, desde que configurada situação de grave e iminente risco à segurança pública”. Na mesma linha foi incluída a expressão “grave e iminente risco à segurança pública” ao inciso I do parágrafo único do art. 26, que também trata do processo de dispensa, inexigibilidade ou retardamento de processo licitatório.

A mudança mais significativa, porém, foi a inclusão do parágrafo 5º ao art. 40, que estabelece que “A Administração Pública poderá, nos editais de licitação para a contratação de serviços, exigir da contratada que um percentual mínimo de sua mão de obra seja oriundo ou egresso do sistema prisional, com a finalidade de ressocialização do reeducando, na forma estabelecida em regulamento”.

Na visão do advogado Gabriel Senra da Cunha Pereira, sócio do escritório Cunha Pereira & Massara Advogados Associados, ainda que se considere a boa intenção do legislador, a medida merece ressalvas. “O dispositivo é muito interessante como busca por uma solução para um dos principais problemas do nosso sistema prisional, que é a reincidência. O alto índice de reincidência registrado é fruto, entre outras razões, da dificuldade do egresso de se recolocar no mercado de trabalho”, pontua Gabriel.

“Nesse sentido a atitude é louvável, até mesmo porque, em uma licitação, temos o objetivo imediato, que é obter a proposta mais vantajosa para a Administração Pública, mas também os objetivos mediatos: a exigência de uma CND trabalhista de um licitante, por exemplo, não visa garantir a melhor proposta, mas otimizar o cumprimento de obrigações trabalhistas. A exigência de contratação de egressos do sistema prisional viria dentro dessa mesma filosofia”, complementa o advogado.

Por outro lado, analisa Gabriel, a medida não aparenta estar fundamentada em estudos, o que colocaria em xeque sua eficácia. “O risco, portanto, é de se aumentar o custo da empresa e, consequentemente, o dispêndio da Administração sem que a norma alcance sua finalidade. Seria, apenas, uma nova burocracia”.

Regulamentação

Um dos questionamentos feitos pelo advogado é a questão da qualificação dessa mão de obra. “Em tese, quando o condenado está cumprindo sua pena é função do Estado oferecer a ele oportunidades de requalificação, o que sabemos que não ocorre na prática. De quem seria, então, a responsabilidade e custo de treinamento e capacitação desse egresso?”, pondera.

Como prevê o texto sancionado, a aplicação da nova norma ainda depende de regulamentação, a ser feita por meio de decretos federal, estaduais e municipais. Como, no Brasil, é corriqueiro que regulamentos levem anos para serem criados, Gabriel acredita ser possível que a nova lei de licitações seja aprovada no Congresso antes mesmo da regulamentação da contratação de egressos.

Além disso, o advogado também faz críticas ao excesso de “remendos” sofridos pela Lei nº 8.666/93. “Com todas as alterações sofridas ao longo dos anos preservou-se muito pouco do texto original da lei. São mudanças que, em vez de simplificar o processo, só criam mais dificuldades, como se isso significasse mais lisura. Lei não coíbe corrupção em lugar nenhum. Todos os escândalos atuais na Administração têm como pano de fundo a Lei de Licitações”, conclui.