“Proibir o Uber é retrocesso”

Gabriel Senra da Cunha Pereira defende regulamentação dos serviços e analisa papel do Direito face à nova economia compartilhada

Recentemente, o escritório do Uber no Rio de Janeiro foi transferido para uma nova sede, cujo endereço tem sido mantido em sigilo. O motivo: medo da violência dos taxistas. A medida, apesar de drástica, não pode ser considerada injustificada, uma vez que os relatos de confrontos têm se tornado cada vez mais frequentes. A polêmica é tão grande que até a presidente já se posicionou sobre o assunto. Dilma afirmou que o Uber retira emprego dos taxistas, mas que isso é uma consequência do surgimento de novas tecnologias e que é preciso uma posição ponderada.

Ponderação, entretanto, parece estar em falta no debate. Quinze capitais, além do Distrito Federal, já têm projetos de lei em tramitação proibindo o Uber. O mesmo se repete nas Câmaras Municipais de nove municípios do interior e nas Assembleias Legislativas de seis Estados. O mais curioso é que o serviço do aplicativo, atualmente, só está disponível em quatro localidades: Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília.

Na visão do advogado Gabriel Senra da Cunha Pereira, sócio do escritório Cunha Pereira & Massara Advogados Associados, a legislação com o intuito de proibir o Uber é um retrocesso absoluto. “O Direito deve acompanhar as evoluções da sociedade, e não engessá-las”, opina. Para Gabriel, além de ir na contramão do papel a que o Direito deve se prestar, essas são as típicas “leis que não pegam”. “Você pode proibir aplicativos de transporte individual de passageiros, como o Uber, hoje, mas amanhã surge um novo aplicativo, e aí? É um ciclo que nunca acaba”.

Regulamentação

O advogado acredita que as ferramentas e mecanismos de economia compartilhada, dos quais o Uber se tornou a figura mais evidente, são um caminho sem volta e que, portanto, cabe ao Estado regulamentá-las, e não proibi-las. “A finalidade máxima de um Estado é proporcionar melhor qualidade de vida a seus cidadãos, e não há dúvida que aplicativos como o Uber proporcionam essa evolução”, afirma.

Gabriel, porém, é taxativo quanto à necessidade de regulamentação desses serviços. Segundo explica, a oferta de transporte urbano é uma competência do Município, que a realiza, na maioria dos casos, por meio de concessões e permissões.

A Lei Federal nº 12.587/12 estabelece nos artigos 12 e 12-A que os serviços de transporte individual de passageiros são de utilidade pública e devem ser organizados, disciplinados e fiscalizados pelos municípios, sendo que o direito à exploração dos referidos serviços será outorgado a todo aquele que satisfaça os requisitos estabelecidos pela Administração. No caso de Belo Horizonte, a Lei Orgânica do Município prevê em seu art. 193, expressamente, que “Incumbe ao Município, respeitadas as legislações federal e estadual, planejar, organizar, dirigir, coordenar, executar, delegar e controlar a prestação de serviços públicos relativos a transporte coletivo e individual de passageiros, tráfego, trânsito e sistema viário municipal”.

Por se tratar de um serviço público definido em lei, portanto, é preciso que sejam estabelecidos critérios que deem condições de igualdade e isonomia a todos aqueles que desejam prestá-lo. “É bastante provável que o Uber, hoje, funcione de forma ilegal, pois presta um serviço de transporte individual de passageiros sem se submeter às mesmas regras e exigências da Administração para outros prestadores de serviços de mesma natureza”, pontua.

“Essas novas tecnologias demandam um novo paradigma jurídico sobre o que vem a ser serviço público ou privado e as formas de sua delegação. Mas é claro que isso deve ser feito com muito cuidado e estudos aprofundados. O Estado de Direito exige submissão a regras que não podem ser descartadas simplesmente pelo argumento de que um serviço é melhor que outro”, complementa.

PLS 530/2015

No mês de agosto o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) apresentou o Projeto de Lei 530/2015 que visa à regulamentação do serviço do Uber. O PLS passará por três comissões do Senado em caráter terminativo, ou seja, caso aprovado nas comissões segue diretamente para apreciação da Câmara, sem necessidade de ir a plenário.

Já o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), autarquia vinculada ao Ministério da Justiça e que tem por missão zelar pela livre concorrência de mercado, publicou no início de setembro um detalhado estudo intitulado O Mercado de Transporte Individual de Passageiros: Regulação, Externalidades e Equilíbrio Urbano. Por se tratar de um Documento de Trabalho, as conclusões do estudo não têm caráter oficial, mas ajudam a reforçar a visão de que a proibição do Uber – e de outros serviços semelhantes – é um retrocesso.

 “[…] é necessário discutir a regulação do mercado de transporte individual de passageiros, visto que não há elementos econômicos que justifiquem a proibição de novos prestadores de serviços de transporte individual. Para além disso, elementos econômicos sugerem que, sob uma ótica concorrencial e do consumidor, a atuação de novos agentes tende a ser positiva”, esclarece o documento.