Ao longo de vários anos como advogado atuante na Justiça do Trabalho, presencio algumas situações que me causam aflição e angústia.
Uma das situações que traz à tona esses sentimentos e, não digo isso como advogado, mas como um defensor das prerrogativas de defesa de todo cidadão, é a exigência de que o empregador comprove que não recebeu a notificação de citação inicial do processo trabalhista.
Talvez essa questão seja tão relevante que adiei por várias vezes escrever sobre o tema, porque pretendia abordá-lo da melhor forma possível por saber de sua relevância.
A triste sensação de violação do direito básico de defesa é enorme a cada caso que chega ao nosso escritório, em que empregadores apresentam uma demanda que não tiveram conhecimento, porque a citação foi entregue em um endereço antigo do empregador ou porque uma carta foi abandonada em uma caixa de correios ou porque foi entregue não se sabe onde nem para quem, pois não há sequer um aviso de recebimento junto ao documento de notificação.
Em regra, nesses casos, quando o empregador toma conhecimento do processo, há uma sentença proferida ou uma dívida já constituída por uma sentença que transitou em julgado.
Para que se entenda melhor o problema, praticamente em todo o Brasil, a Justiça do Trabalho apenas expede cartas de citação pelos Correios sem um retorno com identificação do destinatário no caso de entrega efetivada.
Para deixar ainda mais claro, o comprovante de recebimento da carta no processo é apenas um simples comprovante do correio, que às vezes é disponibilizado, com o atestado de “documento recebido pelo destinatário”.
Em não raras oportunidades, nem esse comprovante existe nos autos, pois há um retorno dos Correios apenas quando a carta não foi entregue no destino.
E para deixar a questão ainda mais complexa, de acordo com a Súmula 16 do TST, “presume-se recebida a notificação 48 (quarenta e oito) horas depois de sua postagem”, como se vê do inteiro teor:
“SÚMULA Nº 16 – NOTIFICAÇÃO
Presume-se recebida a notificação 48 (quarenta e oito) horas depois de sua postagem. O seu não-recebimento ou a entrega após o decurso desse prazo constitui ônus de prova do destinatário. “
Portanto, se não tiver nenhum comprovante de recebimento de citação, está tudo certo, ou seja, a citação foi efetivada e a relação processual está formada.
A partir disso, podemos entender como surge o conceito de prova diabólica, que na situação ora narrada tem um nome bastante apropriado, pois significa exigir da parte que prove algo impossível ou “quase impossível”.
A exigência de que o empregador comprove um fato negativo na prova de que aquela notificação não chegou ao destino correto ou não foi entregue a uma pessoa determinada.
Lembre-se que, em regra, não há retorno de aviso de recebimento das cartas encaminhadas, então não se sabe quem recebeu o documento.
E nem se questiona que qualquer pessoa pode receber a citação de uma empresa, desde que o documento seja entregue no endereço correto. O problema é que não se pode nem apontar que aquela pessoa não trabalha na empresa ou reside em endereço diverso, pois não há identificação do recebedor na maioria das situações.
Dito isso, a indignação de quem pretende simplesmente praticar os atos de defesa basilares e previstos na nossa Lei Maior é justificada e clara.
Do ponto de vista técnico, com todo o respeito à praxe enraizada na Justiça do Trabalho, há inúmeras violações legais ao que vem ocorrendo com os réus nos processos trabalhistas em decorrência das citações iniciais.
Primeiro, há importante violação aos direitos constitucionais fundamentais da ampla defesa e do contraditório, que trazem garantias fundamentais ao cidadão, previstos no art. 5º da CR/88, in verbis:
Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Segundo, há a evidente exigência de prova de fato negativo, o que é um vício de distribuição do ônus da prova, que criou raízes no processo do trabalho em relação à forma da citação inicial do réu.
O jurista Kelsen esclarece sobre a regra processual do ônus da prova:
“O ônus da prova recai sobre a parte que afirma a existência de fatos que constituem os elementos necessários para a aplicação de uma norma jurídica que concede direitos ou impõe deveres.” (Kelsen, 2009, p. 162)[1]
Logo, a regra de distribuição do ônus da prova tem sido aplicada em desfavor daquele que não tem como provar o fato.
Não se questiona que a abordagem flexível consistente na teoria dinâmica do ônus da prova é a mais adequada. Mas, no caso de citação na esfera trabalhista, há uma exigência desproporcional de provar aquilo que é impossível, como o não recebimento de uma carta de citação, que sequer tem o nome e dados daquele que a recebeu.
E não se pode esquecer que os advogados possuem ferramentas processuais para tentar reverter uma citação claramente nula, como a ação declaratória de nulidade de sentença, conhecida como “querela nullitatis”, ação rescisória, arguição de nulidade em recurso ordinário ou embargos à execução, dentre outras providências.
Mas, apesar disso, o que se pondera é uma alteração de procedimento administrativo na Justiça do Trabalho para garantir a eficiência das citações iniciais.
Essa medida evitaria uma discussão processual infindável entre as partes para definir se houve ou não uma citação válida no processo judicial, que seria facilmente comprovada por uma carta com identificação e dados completos do recebedor ou uma certidão emitida por um oficial de justiça que cumpriu o mandado de citação.
Por fim, a ideia não é tratar do tema como se crítica fosse, mas em tom de desabafo e com um singelo pedido de reflexão sobre o problema, que acredito ser público e notório para todos aqueles que integram a Justiça do Trabalho, sejam partes, magistrados, servidores públicos e advogados.
[1] Kelsen, H. (2009). Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes.