O termo compliance advém do verbo em inglês “to comply”, relativo a agir de acordo com determinada instrução, norma interna ou atendimento a um comando. Estar em compliance significa estar de acordo com uma regra, ou seja, é agir em conformidade com leis e regulamentos externos e internos.
No contexto do sistema jurídico nacional, a legislação que incorporou esses conceitos originalmente derivados do setor privado foi a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13), que dispôs sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública. O instrumento normativo em referência nasceu do Projeto de Lei n. 6.826/2010, encaminhado ao Congresso Nacional pela Presidência da República em fevereiro de 2010.
Entretanto, uma análise dos princípios constitucionais da Administração Pública, conforme delineados no artigo 37 da Constituição da República de 1988, com redação acrescida pela Emenda nº 19/1998, revela que tais princípios – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência – mantêm uma estreita conexão com a ideia de compliance.
A necessidade da Administração Pública de incorporar mecanismos de compliance em sua estrutura decorreu da tentativa de enfrentar o problema da corrupção no contexto brasileiro, uma realidade amplamente difundida e reconhecida, inclusive internacionalmente. A elaboração de normas destinadas a impor regulamentos e penalidades sobre o tema foi concebida na esperança de conter a crescente incidência de condutas desonestas e ímprobas.
Em certa medida, é possível observar alguns desdobramentos de iniciativas de compliance na gestão pública, sobretudo em âmbito federal e estadual. No entanto, as administrações municipais enfrentam desafios adicionais na adoção desses instrumentos. As municipalidades representam os entes governamentais mais próximos dos cidadãos, o que amplifica a necessidade de transparência, integridade e eficiência em suas operações.
No âmbito da administração pública federal, a título de exemplo, a Nova Lei de Licitações tornou obrigatória a adoção de programas de integridade pelas pessoas jurídicas nos contratos de grande vulto firmados com a administração pública, devendo, no prazo de até 6 (seis) meses da celebração do contrato, instituir um programa de compliance na estrutura interna da organização (Lei 14.133/2021, artigo 25, §4º). Ainda, estabeleceu a implementação do programa de integridade como critério de desempate entre dois ou mais licitantes.
Desafios na Implementação do Compliance Público
A implementação de programas de compliance nas instituições públicas enfrenta uma série de desafios, dentre eles, a necessidade de mudança da mentalidade e da cultura organizacional. Muitas vezes, as instituições públicas possuem uma cultura organizacional arraigada que pode ser resistente à adoção de novas práticas de conformidade. Não é incomum se deparar com servidores e gestores que resistem à implementação de mudanças devido a preocupações com suas rotinas de trabalho ou percepções de perda de autonomia.
A mudança de mentalidade para priorizar a conformidade em todas as atividades da instituição exigirá certamente tempo e esforço, especialmente em um país onde a cultura de conformidade não foi historicamente enfatizada.
Além destes desafios, destaca-se a falta de recursos orçamentários e de pessoal, a complexidade da matéria, aliada a falta de capacitação técnica e o monitoramento e a fiscalização contínuos. Superar esses desafios requer um compromisso forte da alta administração, isto é, requer engajamento da liderança e alinhamento organizacional.
Apesar de não existir um modelo único de programa de compliance, é importante que ele seja respaldado pela alta administração. O comprometimento da alta direção com a integridade nas relações público-privadas é a base para a criação de uma cultura organizacional em que funcionários e terceiros efetivamente prezem por uma conduta ética.
Benefícios do Compliance na Administração Pública
A implementação de programas de compliance na administração pública municipal é fundamental não apenas para promover a integridade e ética no âmbito governamental, mas também para mitigar riscos significativos e promover uma gestão eficiente e responsável.
Ao estabelecer uma cultura organizacional que valoriza a conformidade com as leis e regulamentos aplicáveis, tais programas contribuem para a prevenção de práticas inadequadas, como corrupção e fraude, resguardando assim a credibilidade e reputação da administração perante os cidadãos.
Esse compromisso com a conformidade não apenas reduz os riscos legais e reputacionais associados a condutas inadequadas, mas também proporciona benefícios tangíveis, como a eficiência operacional aprimorada e a otimização dos recursos financeiros municipais.
Ademais, a implementação eficaz de programas de compliance não apenas fortalece os mecanismos de governança e controle interno, mas também pode desempenhar um papel crucial na atração de investimentos e parcerias estratégicas. A reputação de uma administração municipal comprometida com a integridade e transparência é um importante fator de diferenciação que pode influenciar positivamente a decisão de investidores privados e colaboradores potenciais.
Essa interação virtuosa entre a conformidade efetiva e o desenvolvimento socioeconômico local ressalta a relevância dos programas de compliance como instrumentos-chave para promover o bem-estar dos cidadãos e o progresso sustentável das comunidades municipais.
Conclusão
Conforme destacado, o compliance é caracterizado como um estado de conformidade com as normas e regulamentos em vigor, indo além ao representar a adesão a um conjunto de valores éticos fundamentais, com o propósito de satisfazer as legítimas expectativas da sociedade.
No contexto brasileiro, houve progressos significativos na institucionalização do compliance, evidenciados pela promulgação de legislações dispersas, tais como a Lei Anticorrupção, a Nova Lei de Licitações e a Lei das Estatais, entre outras regulamentações.
Contudo, apesar dos avanços, subsiste um longo trajeto a ser percorrido para a efetiva consolidação dos mecanismos de compliance na esfera da administração pública brasileira, especialmente nos municípios, onde se verifica uma carência mais acentuada de recursos orçamentários, humanos e organizacionais.
Referências Bibliográficas
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