Por Fernando Landim da Cunha Pereira
Algo que é infelizmente muito comum de ocorrer em viagens, seja de avião ou ônibus, é o extravio de bagagens. O extravio pode ser temporário, em que o consumidor fica alguns dias ou horas sem sua bagagem porque foi enviada por equívoco a outro local, por exemplo, ou permanente, em que os bens do consumidor se perdem e não são localizados.
A situação é tão comum que recentemente tem sido comercializado chips de GPS para serem colocados na mala e há resoluções de agências reguladoras que tratam especificamente desse tema.
Já adiantando o que será tratado nesse texto, o passageiro tem direito à devida indenização pelos prejuízos que o extravio lhe causou, especialmente por danos morais e materiais, incluindo pelos bens contidos na bagagem e os custos extras que pessoa teve em decorrência do evento.
É de conhecimento geral que, quando ocorre uma situação dessas, o transtorno, angústia e sofrimento causado ao passageiro é notadamente elevado, o que leva à jurisprudência muito pacífica a respeito do direito à indenização por danos morais.
Apesar da ocorrência dos danos morais por extravio da bagagem ser muito pacificado, eis que se dá in res ipsa, ou seja, pela mera ocorrência do evento, a extensão desses danos varia de acordo com o caso concreto, podendo variar, por exemplo, pelo tempo que pessoa ficou sem seus bens, a importância dos objetos contidos na mala (como remédios ou itens de valor sentimental) e as consequências de tal situação.
Numa média da jurisprudência nacional, vê-se que as condenações das empresas de transporte aéreo e terrestre variam de aproximadamente R$ 4.000,00 a R$ 10.000,00.
Claro que há situações que podem fazer variar tais valores, como o caso do extravio da cadela Pandora, que desapareceu por 45 dias após um voo pela companhia Gol, no dia 15 de dezembro de 2022. É natural que os danos morais do desaparecimento de um animal de estimação são incomparáveis ao de uma mala de roupas, obviamente.
O que mais causa dúvidas, contudo, é quanto à reparação pelos danos materiais, ou seja, pela perda dos objetos que continham na bagagem e nos gastos que a pessoa teve em razão da perda do item, ainda que temporariamente.
Afinal, as pessoas geralmente não anotam os itens que colocam nas malas e nem tem como demonstrar, com total certeza, o que estava dentro da bagagem. Então o que fazer?
Caso a bagagem do consumidor se perca e não mais seja encontrada, o consumidor deve procurar a empresa que fazia a viagem e expor, aproximadamente, os itens que continha e o valor aproximado do conteúdo.
A apuração da honestidade do consumidor sobre os itens que continham dentro da mala é avaliada tanto pela empresa quanto pelo juiz que eventualmente julgar o caso, que pode ser apurado pela compatibilidade dos itens indicados com a viagem realizada.
É crível que uma viagem a lazer para um resort ou uma praia, por exemplo, contenha na mala roupas, relógios, joias, perfumes, alguns aparelhos eletrônicos, produtos de cuidado pessoal etc. Mas é menos crível que contenha, por exemplo, um caro notebook utilizado para trabalho, protótipos de projetos de engenharia, peças de cerâmica. Esses são itens que podem ser compatíveis, por exemplo, com uma viagem a negócios.
A compatibilidade dos itens declarados com a viagem realizada é definitivamente um fator determinante para se apurar os danos materiais, conforme entendimento jurisprudencial de casos julgados pelo TJSP e TJMG, respectivamente:
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E MATERIAL. TRANSPORTE AÉREO NACIONAL. EXTRAVIO DE BAGAGEM. Aplicação das regras do Código de Defesa do Consumidor. Incontroverso o extravio definitivo da bagagem do autor. Configurada a falha na prestação dos serviços da companhia aérea. (…). Dano material. Majoração do valor da indenização para R$5.627,98. Avaliação dos itens extraviados que é compatível com a natureza e o destino da viagem realizada. Sentença parcialmente reformada. RECURSO DA RÉ DESPROVIDO E RECURSO DO AUTOR PROVIDO. (TJ-SP – AC: 10093482120208260003 SP 1009348-21.2020.8.26.0003, Relator: Afonso Bráz, Data de Julgamento: 28/01/2021, 17ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28/01/2021)
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE PROCEDIMENTO COMUM – INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAL E MORAL – CONTRARRAZÕES INTEMPESTIVAS – EXTRAVIO TEMPORÁRIO DE BAGAGEM – AQUISIÇÃO DE ITENS DE NECESSIDADE BÁSICA – DEVOLUÇÃO COM ITENS EXTRAVIADOS DEFINITIVAMENTE – NOTA FISCAL APARELHOS ELETRÔNICOS – DANO MORAL – QUANTUM INDENIZATÓRIO. (…) A indenização por dano material pelos itens definitivamente extraviados deve ser calculada por meio dos objetos declarados pelo passageiro, pois não é razoável exigir que apresente as notas fiscais dos itens que carregava em sua bagagem, ainda que eletrônicos. (…) (TJ-MG – AC: 10000212622583001 MG, Relator: Marcelo Pereira da Silva (JD Convocado), Data de Julgamento: 10/02/2022, Câmaras Cíveis / 12ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 16/02/2022)
Caso o passageiro carregue em sua bagagem, contudo, algum item de valor acima do normal ou itens que, por qualquer motivo, fogem do esperado, o consumidor tem o dever de declarar tal bem previamente, de forma a se resguardar e resguardar a empresa de transporte.
A referida declaração é prevista no art. 8º, § 1º, da Resolução Nº 1.432/2006 da ANTT, para transporte terrestre (ex ônibus), e no art. 17 da Resolução Nº 400/2016 da ANAC, para transporte aéreo (ex avião). Respectivamente:
Art. 8º (…) § 1º É facultado à transportadora exigir a declaração do valor da bagagem a fim de fixar o valor da indenização, respeitados os limites estabelecidos no caput deste artigo.
Art. 17. No despacho da bagagem, caso o passageiro pretenda transportar bens cujo valor ultrapasse o limite de indenização de 1.131 (mil e cento e trinta e um) Direitos Especiais de Saque – DES, poderá fazer declaração especial de valor junto ao transportador.
§ 1º A declaração especial de valor deverá ser feita mediante o preenchimento de formulário fornecido pelo transportador, garantida uma via ao passageiro.
§ 2º A declaração especial de valor terá como finalidades declarar o valor da bagagem despachada e possibilitar o aumento do montante da indenização no caso de extravio ou violação.
Além disso, caso o passageiro não consiga precisar o valor total dos itens extraviados, as resoluções supramencionadas estabelecem parâmetros para sua fixação.
No caso de transporte terrestre, a indenização por extravio de bagagem equivale a dez mil vezes o coeficiente tarifário. Veja-se:
“Art. 8º A transportadora responde pela indenização de bagagem regularmente despachada, na forma desta Resolução, até o valor de 3.000 (três mil) vezes o coeficiente tarifário, no caso de danos, e 10.000 (dez mil) vezes o coeficiente tarifário, no caso de extravio.”
O coeficiente tarifário é um cálculo relativamente complexo que varia de caso a caso, mas equivalia, em 2023, a R$ 0,132488 por passageiro multiplicado pelo quilometro percorrido na viagem.
Já no caso de transporte aéreo, o parâmetro de indenização é 1.131 DES (Direitos Especiais de Saque), que é instrumento monetário criado pelo Fundo Monetário Internacional. 1 DES equivale atualmente a aproximadamente R$ 6,95. Logo, o parâmetro para indenização no caso de transporte aéreo é de aproximadamente R$ 7.860,45.
No caso de viagens internacionais, a responsabilidade da transportadora é regulamentada pela Convenção de Montreal, que prevê em seu artigo 22 que a responsabilidade do transportador se limita a mil DES, equivalente a R$ 6.950,00, aproximadamente, exceto se o passageiro tiver feito a declaração mencionada anteriormente.
Por fim, além de todas essas indenizações, o consumidor tem direito também a indenização por prejuízos diretos causados pelo extravio da bagagem, ainda que temporário.
Caso o consumidor tenha que comprar roupas, remédios ou itens que utilizaria normalmente, a empresa de transporte também tem o dever de indenizar por tais gastos. Novamente, veja-se decisão do TJSP a título de exemplo:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. APELAÇÃO PROVIDA. TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL. EXTRAVIO TEMPORÁRIO DE BAGAGENS. FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. DANOS MATERIAIS PROVADOS. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. (…). Extravio de bagagem ocorrida no trecho aéreo Lisboa – Paris, de responsabilidade da ré. Bagagem localizada e devolvida ao passageiro após seis dias do desembarque. O autor se viu sem seus pertences por seis dias em solo estrangeiro. E a defesa da ré não trouxe prova de que o atraso se deu por motivo justificado. (…). Por conta do atraso entrega das bagagens, o autor foi compelido a arcar com gastos extras com roupas, itens de higiene básica e medicamentos (€ 637,53 euros – R$ 3.279,26). Todos os pertences do autor se encontravam nas bagagens, o que justificada necessidade na compra dos bens, até porque a companhia aérea não informou ao passageiro qualquer previsão para localização das malas. (…). (TJ-SP – AC: 11061882520228260100 São Paulo, Relator: Alexandre David Malfatti, Data de Julgamento: 18/09/2023, 12ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 18/09/2023)
É importante que o consumidor entenda seus direitos em caso de uma infelicidade de extravio de bagagem, seja temporária ou definitiva, e como funciona o sistema para buscar sua indenização e os cuidados especiais que deve tomar.
É altamente recomendado que o consumidor que sofra um evento do tipo procure um advogado para entender seus direitos e a melhor forma para buscá-los.