Por Fernando Landim da Cunha Pereira
Com as melhorias da tecnologia e aumento do conhecimento das pessoas sobre o uso da internet, as compras pela internet, também chamado de e-commerce, crescem exponencialmente.
Segundo dados da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico[1] (ABComm), o faturamento do comércio brasileiro com e-commerce em 2013 era de aproximadamente 31 bilhões de reais, enquanto em 2023, 10 anos depois, já alcança a marca de quase 186 bilhões de reais!
Apesar do aumento relevante do comércio de produtos e serviços pela internet, existem muitas dúvidas a respeito dos direitos do consumidor quando realizado um negócio por esse meio, especialmente sobre o direito de arrependimento.
O direito de arrependimento é previsto no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor e dispõe que a pessoa pode desistir de qualquer negócio realizado fora do estabelecimento comercial, o que naturalmente inclui compras online, no prazo de sete dias, sendo direito do consumidor ser reembolsado por todos os valores pagos durante esse prazo. Vejamos o dispositivo legal:
Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.
Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.
O Código de Defesa do Consumidor exige apenas dois requisitos para que o consumidor desista da compra ou do contrato: que o arrependimento se dê no prazo de sete dias da assinatura ou do recebimento do produto/serviço; e que a compra seja fora do estabelecimento comercial, podendo ser pela internet, por telefone, carta, ou qualquer outro meio que não presencial.
É relevante destacar que o arrependimento não exige justificativa, podendo ser feito por qualquer motivo, inclusive a mera mudança de ideia quanto a compra.
Por essa razão o arrependimento não se confunde com a devolução ou troca do produto ou serviço defeituoso ou viciado, que não exige prazo e é previsto no artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor.
A ideia do legislador ao criar o direito de arrependimento é justamente proteger o consumidor que não teve contato direto com o produto ou o serviço que está adquirindo.
A título de exemplo, imagine que duas pessoas desejem comprar uma peça de roupa para si, porém uma delas compra pela internet e a outra vai pessoalmente na loja.
Nesse caso, a pessoa que comprou online não teve qualquer contato com a roupa e provavelmente a viu apenas por fotos, sendo que não teve como experimentar a roupa para saber se serve ou tocar no produto para saber a textura do tecido ou sua qualidade.
É justamente por situações como essa que a pessoa que adquiriu pela internet tem o direito de se arrepender, enquanto a loja que vendeu ao cliente presencialmente não é obrigada a devolver o dinheiro ao cliente, já que ele pôde conhecer o produto antes de comprar.
O direito de arrependimento é válido para toda compra realizada de forma remota, o que inclui serviços como compras de passagens aéreas, ingressos para eventos e contratação de transporte particular por aplicativos, que recorrentemente cobra taxas de cancelamento dos consumidores, apesar da previsão legal.
Caso o consumidor opte por se valer do arrependimento, ela tem direito a restituição de todos os valores pagos, inclusive eventual taxa de entrega paga,
O direito de arrependimento, todavia, não pode ser exercido em algumas situações.
Uma exceção ao direito de arrependimento ocorre quando a pessoa efetivamente já utilizou o produto ou serviço e não há como se “devolver” ao fornecedor.
É o caso, por exemplo, da pessoa que adquire uma passagem aérea pela internet para o dia seguinte e decide desistir após o voo. Ou da pessoa que compra uma roupa, a usa por seis dias, e depois resolve devolver. Ou quando a pessoa, por algum motivo, estraga ou arruína o produto, como uma pessoa que compra um celular e o deixa cair e quebrar.
É direito da empresa fornecedora, inclusive, vistoriar o produto antes de realizar a devolução dos valores despendidos, o que geralmente ocorre.
Nesses casos, o direito de arrependimento pode ser negado ou ser aceita apenas parcialmente a devolução dos valores com abatimento por eventual desvalorização, em respeito à vedação ao enriquecimento ilícito previsto no ordenamento jurídico brasileiro.
Caso a empresa negue o direito de arrependimento ao consumidor, é aconselhável que a pessoa busque um aconselhamento de um advogado para verificar as medidas cabíveis.
A jurisprudência nacional tem firmado entendimento que a injusta negativa ao direito de arrependimento ao consumidor é fato apto a gerar danos morais indenizáveis, o que pode ser buscado por meio de um processo judicial próprio.
Veja-se alguns exemplos:
APELAÇÃO CÍVEL. CONSUMIDOR. COMPRA PELA INTERNET. DIREITO DE ARREPENDIMENTO. Pretensão da autora de que seja estornado o valor de bem devolvido à empresa requerida, após ter exercido seu direito de arrependimento dentro do prazo legal, bem como receber indenização por danos morais. (…) Evidente o dano moral sofrido pela consumidora, em virtude do tempo despendido para a solução de problema causado pelo descaso do vendedor, que demorou mais de cinco meses para providenciar o estorno do valor. Aplicação da Teoria do Tempo Perdido. Precedentes desta C. Câmara. Sentença reformada para julgar inteiramente procedente a ação, arbitrando-se a indenização por dano moral em R$ 2.000,00, quantia que atende aos critérios de proporcionalidade e razoabilidade. (…)[2]
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO INDENIZATÓRIA – DANOS MORAIS E MATERIAIS – COMPRA DE PASSAGEM AÉREA PELA INTERNET – DIREITO DE ARREPENDIMENTO – CANCELAMENTO SOLICITADO NO PRAZO LEGAL – VALOR NÃO RESTITUIDO EM SUA INTEGRALIDADE – DANO MORAL CONFIGURADO. (…) A violação ao direito legal de arrependimento do consumidor, pela não restituição do valor da compra cancelada no prazo legal, causa dano moral, sobretudo, quando acarreta considerável perda de tempo útil e denota descaso no trato do consumidor. (…)[3]
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESERVA DE HOSPEDAGEM VIA INTERNET. DESISTÊNCIA. COBRANÇA EM FATURA DE CARTÃO DE CRÉDITO. NEGATIVA DE REEMBOLSO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. VIOLAÇÃO AO DIREITO DE ARREPENDIMENTO PREVISTO NO ARTIGO 49 DO CDC. DANO MATERIAL COMPROVADO. DANO MORAL CONFIGURADO. TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR. Sentença que julga procedente em parte o pedido, para determinar que o réu proceda à devolução do valor cobrado pela reserva, qual seja, R$ 169,74 (cento e sessenta e nove reais e setenta e quatro centavos), acrescido de juros e correção monetária, sob pena de multa única de R$ 1.000,00 (hum mil reais) a contar da citação, bem como condena o réu a pagar à autora a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) pelos danos morais suportados, corrigidos e acrescidos de juros legais a contar da sentença. (…) A conduta desidiosa da parte ré de não oferecer, na ocasião, solução razoável, configura abalo moral decorrente da falha na prestação de serviço, passível de indenização por danos morais, pois os transtornos a que a consumidora foi submetida, certamente ultrapassam o mero aborrecimento do cotidiano e um simples descumprimento contratual, caracterizando, assim, infringência à norma inserta no art. 14 do CDC. (…)[4]
O direito de arrependimento é um mecanismo que serve mais que para defender o consumidor, mas também para viabilizar o próprio negócio de vendas pela internet ou telefone, sendo importante que o consumidor entenda como pode exercer seu direito.
É fundamental também que o consumidor que enfrente algum problema no exercício do seu direito procure um advogado para aconselhamento jurídico adequado.
[1] https://dados.abcomm.org/crescimento-do-ecommerce-brasileiro
[2] TJ-SP – AC: 10014694220218260127 SP 1001469-42.2021.8.26.0127, Relator: Djalma Lofrano Filho, Data de Julgamento: 15/10/2021, 34ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 15/10/2021
[3] TJ-MG – AC: 10000190202861001 MG, Relator: Mônica Libânio, Data de Julgamento: 22/05/2019, Data de Publicação: 22/05/2019
[4] TJ-RJ – APL: 00026554520198190075, Relator: Des(a). ANDRE LUIZ CIDRA, Data de Julgamento: 21/10/2020, VIGÉSIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 22/10/2020