Para Gabriel Senra da Cunha Pereira, nova lei é um avanço, mas apresenta graves problemas e foi aprovada com base na comoção social
Ainda no calor dos protestos que tomaram as ruas do Brasil em junho deste ano, a presidente Dilma Rousseff sancionou, no dia 1º de agosto, a Lei nº 12.846, que ficou conhecida como Lei Anticorrupção. O texto dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública.
Aprovada às pressas, em momento de grande comoção social, a Lei nº 12.846 acabou não sendo suficientemente debatida, na avaliação do advogado Gabriel Senra da Cunha Pereira, sócio do escritório Cunha Pereira & Massara Advogados Associados. “Essa lei é um exemplo claro de algo feito com base na emoção. Por consequência, o texto apresenta dispositivos atécnicos e conflituosos com outras leis já vigentes”, afirma.
Um dos principais problemas, na visão do advogado, é a determinação de responsabilização objetiva pelos atos lesivos à administração pública, tratados pela própria lei como atos de corrupção. Ou seja, a empresa responderá por ato lesivo à administração independentemente de dolo ou culpa. “Como uma empresa poderá responder por corrupção sem haver culpa, já que se entende que um ato de corrupção é sempre deliberado? Não haveria como, por exemplo, uma empresa prometer, oferecer ou dar vantagem indevida a agente público se não o fizer conscientemente”, argumenta. Segundo Gabriel, o instituto da responsabilidade objetiva ainda é muito recente no direito brasileiro, inspirando cuidados em sua aplicação. “Em relação à Lei de Improbidade Administrativa, a Justiça brasileira acertadamente optou por punir o desonesto, não o inábil”, pondera.
Mais Problemas
Apesar de reconhecer avanços na Lei Anticorrupção, como a criação do Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), Gabriel acredita que até mesmo os pontos positivos da lei podem se tornar “tiros pela culatra”. Ele cita como exemplo uma empresa que, sem ter agido culposamente, acabe inserida neste cadastro, que dá publicidade às sanções aplicadas às Pessoas Jurídicas. “O dano para essa empresa é inimaginável. Além disso, em relação ao CNEP, a lei exige apenas processo administrativo, ou seja, quem o instaura e julga não é o Poder Judiciário, mas o órgão lesado. Com isso, pessoas muitas vezes sem o devido conhecimento técnico tomarão esse tipo de decisão, causando dano verdadeiramente irreparável à imagem da empresa”, questiona.
Dentre as sanções previstas na lei estão o perdimento de bens, a suspensão das atividades da empresa, a proibição de receber incentivos e empréstimos públicos por até cinco anos e, em caso máximo, a dissolução compulsória da Pessoa Jurídica. Nestes casos, é imprescindível o prévio processo judicial.
Avanços
Alguns pontos positivos também são destacados pelo advogado. Gabriel menciona, por exemplo, o dispositivo da lei que prevê uma redução da penalidade para empresas que possuam códigos de ética e conduta efetivos, os chamados programas de compliance. Essa questão, porém, ainda depende de regulamentação pelo Executivo.
A valorização do acordo de leniência, em que uma empresa envolvida em algum ato ilícito colabora com as investigações em troca de redução na sanção, também é ressaltado por Gabriel. “É um ponto muito interessante e que ainda não se tem por hábito no Brasil”, comenta.
Sancionada no dia 1º de agosto, a Lei nº 12.846 tem 180 dias para entrar em vigor. Mas se ela vai, efetivamente, moralizar as relações entre pessoas jurídicas e a administração pública, já é outra história. “Uma lei, em si, não muda absolutamente nada. A corrupção é uma questão muito mais social do que legal. A Lei de Licitações, por exemplo, veio com essa mesma proposta de moralização, e não trouxe muitos avanços nesse aspecto”, conclui Gabriel.