A obrigatoriedade da intimação do Ministério Público (MP) nos processos de mandado de segurança (MS) é um ponto consolidado na legislação processual brasileira. Determinada na intenção de proteger o interesse público e resguardar a ordem jurídica, essa exigência é tratada como norma de observância obrigatória, prevista em legislações como o Código de Processo Civil (CPC/2015) e a Lei nº 12.016/2009, que regem o mandado de segurança.
No entanto, verifica-se na prática que, em grande parte das vezes, o Ministério Público apesar de ser intimado, não se manifesta de forma substantiva, ou apresenta pareceres genéricos, sem real impacto no caso concreto. Tal fato levanta uma questão importante: essa exigência formal está servindo à justiça ou apenas burocratizando o processo, em afronta ao princípio da eficiência e celeridade processual?
A Lei nº 12.016/2009 dispõe em seus artigos 7º, inciso I, e 12º e parágrafo único:
“Art. 7º. Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:
I – que se notifique o coator do conteúdo da petição inicial, enviando-lhe a segunda via apresentada com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, preste as informações.”
“Art. 12. Findo o prazo a que se refere o inciso I do caput do art. 7º desta Lei, o juiz ouvirá o representante do Ministério Público, que opinará, dentro do prazo improrrogável de 10 (dez) dias.
Parágrafo único. Com ou sem o parecer do Ministério Público, os autos serão conclusos ao juiz, para a decisão, a qual deverá ser necessariamente proferida em 30 (trinta) dias.”
Embora essa redação sugira certa flexibilidade, o entendimento majoritário é que a intimação do MP continua obrigatória quando presente interesse público relevante, sendo reforçada pelo artigo 178 do CPC:
“Art. 178. O Ministério Público será intimado para, no prazo de 30 (trinta) dias, intervir como fiscal da ordem jurídica nas hipóteses previstas em lei ou Constituição Federal e nos casos em que há interesse público ou social, interesse de incapaz ou litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana.”
A jurisprudência tradicional do STJ e do STF mantém o entendimento de que a não intimação do Ministério Público, quando obrigatória, pode ensejar nulidade processual, especialmente em casos envolvendo incapazes ou interesses coletivos relevantes (STJ – Fonte).
Apesar da exigência legal, na prática cotidiana o MP muitas vezes não se manifesta, ou o faz de forma padronizada. Isso é facilmente constatado em casos de mandado de segurança impetrados contra atos administrativos específicos — como em concursos públicos, questões tributárias individuais ou decisões disciplinares — em que não há interesse público difuso ou coletivo de alta relevância.
Essa desconexão entre a norma e a prática processual traz a reflexão sobre o princípio da instrumentalidade das formas (art. 277 do CPC), que determina que o processo não deve se submeter a formalidades ineficazes, mas sim à efetividade da prestação jurisdicional.
“Art. 277. Quando a lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade.”
Do ponto de vista constitucional, a exigência da intimação obrigatória, mesmo sem expectativa de manifestação útil, contraria os princípios da celeridade e eficiência processual, ambos assegurados pela Constituição Federal:
“Art. 5º, LXXVIII, CF/88: “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”
“Art. 37, caput, CF/88: A administração pública direta e indireta obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.”
Tais princípios não são apenas decorativos, mas diretrizes vinculantes para toda a atividade jurisdicional. A repetição de atos inúteis, como intimar o MP apenas por força do texto legal, retarda o processo, gera gasto de recursos públicos e congestiona o Poder Judiciário.
É razoável que a atuação do MP seja requisitada apenas quando o caso envolva interesse público materialmente relevante, e não em todo e qualquer mandado de segurança. Isso pode ser feito:
Pela interpretação sistemática do artigo 178 do CPC ou por reforma legislativa que permita ao juiz avaliar, caso a caso, a necessidade da intimação.
Há decisões judiciais que já relativizam a nulidade da ausência de intimação do MP, desde que não haja prejuízo:
“VI – É pacífico nesta Corte Superior o entendimento segundo o qual a ausência de intimação do Ministério Público em ação civil pública para funcionar como fiscal da lei não dá ensejo, por si só, a nulidade processual, salvo comprovado prejuízo.
Nesse sentido em julgado recente: AgInt no REsp n. 1.689.653/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 19/2/2019, DJe 26/2/2019”.
Nos processos de jurisdição voluntária, por exemplo, a atuação do MP também se dá quando houver interesse de incapaz ou interesse público — mas é feita de forma pontual, não automática.
Essa mesma lógica poderia ser estendida aos mandados de segurança, sobretudo os de natureza individual, que representam a maioria dos casos ajuizados no Brasil.
Se a função do processo é a entrega justa e célere da jurisdição, manter uma exigência formal que não contribui para a solução do conflito fere os princípios da eficiência, da celeridade e da instrumentalidade.
A manutenção da intimação obrigatória do Ministério Público em mandados de segurança, independentemente da existência de interesse público relevante ou da utilidade da manifestação do órgão, é um resquício de um modelo processual ultrapassado, centrado em ritos e não em resultados.
Portanto, urge repensar a obrigatoriedade da intimação do MP nesses casos, propondo critérios objetivos para sua atuação, ou admitindo a possibilidade de dispensa fundamentada pelo magistrado. Tal mudança não compromete o controle da legalidade dos atos administrativos, mas preserva a racionalidade e funcionalidade do processo, valores cada vez mais urgentes em um Judiciário sobrecarregado e pressionado por resultados.