Artigo explica ponto a ponto as principais novidades da Lei
Foi sancionada, em 23 de abril de 2014, a Lei nº 12.965, popularmente conhecida como Marco Civil da Internet. Apesar de inovadora no ordenamento jurídico brasileiro, a legislação recentemente aprovada tramitava no Congresso Nacional desde 2011, por iniciativa do Poder Executivo, e desde outubro de 2009 vem sendo debatida nas redes sociais sob a palavra-chave #marcocivil. Entretanto, após a divulgação de notícias de que autoridades brasileiras eram alvos de espionagem cibernética, atribuiu-se urgência constitucional à tramitação do Projeto de Lei, o que culminou em sua sanção no mês de abril.
A votação do projeto na Câmara e no Senado, porém, evidenciou-se um verdadeiro cabo-de-guerra. Pressões pró e contra o projeto surgiram de todos os lados, levando o tema a ganhar grande destaque. Mas, afinal, o que é o Marco Civil da Internet? O que ele determina ou proíbe?
Neste artigo assinado pelo advogado Gabriel Senra da Cunha Pereira, é feita uma análise imparcial de cada um dos capítulos da Lei, ou seja, não há juízo de valor se algum dispositivo legal pode ser bom ou ruim. O objetivo é levar uma informação precisa e de qualidade ao nosso leitor, para que ele possa formar seu próprio julgamento.
As principais inovações do Marco Civil da Internet
O Marco Civil da Internet tem como objetivo precípuo oferecer segurança jurídica aos usuários da rede, sejam eles internautas, empresas, provedores e Administração Pública. Ainda que até hoje não houvesse um específico instrumento regulatório da internet no Brasil, há muitos anos a jurisprudência vem sendo construída de forma aleatória e, muitas vezes, contraditória.
A nova lei, portanto, fixa fundamentos, princípios, objetivos e direitos na utilização da rede mundial de computadores, além de criar normas de caráter processual para a proteção de tais direitos. Dessa forma, estabelece-se um marco legal que certamente uniformizará entendimentos ainda controversos em nossos tribunais. Outro objetivo evidente da nova norma é garantir os direitos à liberdade de expressão e privacidade dos usuários, direitos estes que se fazem presentes em todo o texto legal.
A Lei nº 12.965/14 se divide em cinco capítulos: disposições preliminares, dos direitos e garantias dos usuários, da provisão de conexão e de aplicações de internet, da atuação do poder público e disposições finais.
O primeiro capítulo trata basicamente dos fundamentos e princípios do uso da rede no Brasil. Os mais importantes fundamentos, que também podem ser entendidos como pressupostos da utilização da internet, são a liberdade de expressão, os direitos humanos e a cidadania, a livre iniciativa e a defesa do consumidor.
Dentre os princípios – normas de caráter mais genérico que norteiam a aplicação dos direitos ali previstos – encontram-se novamente a liberdade de expressão, a privacidade e a livre iniciativa, além da neutralidade, estabilidade e funcionalidade da rede. A Lei ainda estabelece que o uso da internet tem por objetivo promover o amplo direito de acesso à rede, às informações e conhecimentos nela difundidos, a inovação e difusão tecnológicas e a adesão a padrões tecnológicos “abertos”.
O segundo capítulo estabelece que são direitos e garantias dos usuários a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, do sigilo do fluxo de informações e comunicações, a manutenção da qualidade de conexão contratada, a clareza de informações e cláusulas nos contratos de prestações de serviços e políticas de uso da web, tratando como nulas quaisquer cláusulas que ofendam esses direitos.
O capítulo seguinte trata de um dos temas mais debatidos, que é a chamada “neutralidade da rede”. Isso significa que os provedores de serviços da internet não podem cobrar preços diferentes por tipos de utilização da rede. A neutralidade não permite que o usuário seja obrigado a pagar um preço para usar redes sociais e outro para acessar e-mails, por exemplo.
O capítulo III dispõe, ainda, que a guarda dos registros de conexão, de acesso a aplicações de internet, de dados pessoais e de comunicações privadas devem respeitar a intimidade, vida privada, honra e imagem das partes envolvidas. Ou seja, os provedores não podem vasculhar, nem disponibilizar a terceiros os registros deixados pelo usuário em seu acesso à rede, salvo por ordem judicial específica. Todo aquele que descumprir tais normas se sujeita a penalidades que variam desde advertência até a proibição do direito de exercer suas atividades.
Mesmo com as garantias previstas no capítulo, o art. 15 da lei – que determina em seu caput que os provedores devem manter os registros de acesso de todos os internautas por seis meses – sofreu grande resistência de movimentos ligados à defesa dos direitos civis na internet. A opinião desses grupos é de que esse dispositivo viola o direito à privacidade e o princípio constitucional da presunção de inocência. Alheia às pressões, entretanto, a presidente Dilma Rousseff sancionou o texto sem vetos.
Do ponto de vista das decisões judiciais, talvez o tema mais conflitante seja o abordado pelo terceiro capítulo, que determinou que o provedor de internet não é responsável civilmente pelos danos causados por conteúdo gerado pelos seus usuários. A jurisprudência brasileira é bastante controversa sobre essa questão, sendo que algumas decisões entendem que o provedor também se responsabiliza pelo que o usuário manifesta, e outras expõem o entendimento de que essa responsabilidade é apenas do autor do conteúdo.
Neste aspecto, a lei tende a pacificar bastante a jurisprudência brasileira, ao estabelecer que o provedor somente será responsabilizado se, por ordem judicial, deixar de tomar providências para tornar indisponível o conteúdo ofensivo ou, em se tratando de conteúdo de caráter sexual, o próprio usuário solicitar, por meio de notificação, que ele seja indisponibilizado e o provedor não o fizer.
O capítulo quarto institui diretrizes para a atuação da União, Estados, Distrito Federal e Municípios no desenvolvimento da internet. Para tanto, determina que sejam estabelecidos mecanismos de governança eletrônica transparentes e que permitam a participação da sociedade. Notam-se disposições claramente voltadas à melhoria da eficiência, celeridade e comunicação entre as várias tecnologias de diferentes esferas de governo, bem como à facilitação do acesso da sociedade aos serviços governamentais.
O último capítulo prevê que o usuário tem a liberdade de utilizar ferramentas que permitam o controle de acesso de seus filhos menores a conteúdos impróprios, desde que respeitados os princípios do Marco Civil e do Estatuto da Criança e do Adolescente. Garante, finalmente, que a defesa de direitos previstos na novel legislação seja exercida em juízo, individual ou coletivamente.
Estes são, a nosso ver, os mais relevantes temas do Marco Civil da Internet, que certamente serão objeto de muitos debates na sociedade, nos livros relacionados ao tema e, principalmente, nos tribunais. A recente Lei de fato trouxe algumas inovações, mas a sua principal contribuição será a fixação, no universo jurídico, de questões que se encontravam em leis esparsas e não relacionadas ao mundo cibernético.
2 respostas
Prezados amigos, bom dia
Primeiramente parabenizo-os pela matéria. Gostaria, entretanto que o ilustre colega Gabriel fizesse uma avaliação pessoal do março da internet. Com opiniões pessoais.
Outro ponto que gostaria de saber, se refere ao direito autoral de conteúdos de internet.
Seria assunto/tema objeto de tratamento ou de ser abordado em outra lei específica ?
E o prof. Fausto, não irá escrever artigos também???? Qual é’ a opinião deste????
Um forte abraço. A todos
Edmundo.
Caro Prof. Edmundo, obrigado pela leitura e aprovação do texto.
Minha opinião pessoal é de que o marco civil traz um avanço importante, que é a tentativa de atribuir segurança jurídica na utilização da internet. É importante todos sabermos o que pode e o que não pode ser feito, bem como as penalidades aplicáveis. Creio que, nesse sentido, há um avanço.
Por outro lado, o marco civil traz temas polêmicos, como por exemplo o armazenamento de dados dos usuários por determinado período. Isso, se mal utilizado, é perigoso, pois pode configurar a violação de direitos individuais importantes. Já a neutralidade da rede, creio ter sido bom, pois protege o consumidor da cobrança por diferentes tipos de utilização da internet.
Quanto aos direitos autorais, o art. 19, § 2º, prevê que a responsabilização do servidor pelas infrações a direitos de autor depende de legislação específica, ainda não existente. Até lá, a matéria continua regida pela legislação atualmente em vigor.
Espero ter esclarecido. Continue comentando nossas matérias! 🙂
Um grande abraço,
Gabriel