O credor de uma dívida certa, líquida e exigível tem o direito ajuizar uma ação de execução por quantia certa contra o devedor. Assim, aquele que, por exemplo, possui um cheque emitido em seu favor, pode usar o Poder Judiciário a fim de ver seu crédito satisfeito. Referida ação tem seu objetivo disposto no art. 646 do CPC, o qual prevê que “a execução por quantia certa tem por objeto expropriar bens do devedor, a fim de satisfazer o direito do credor.”
Não obstante isso, a ação de execução enfrenta problemas relativos à sua efetividade, tendo em vista as diversas possibilidades que o devedor tem de postergar o recebimento do crédito pelo credor.
O art. 649 do CPC, alterado pela Lei 11.382/2006, é o dispositivo que traz a maior controvérsia a respeito do tema, por apontar bens absolutamente impenhoráveis no processo de execução. Dentre eles estão os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor. Também estão arrolados os salários, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, bem como a quantia depositada em caderneta de poupança até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos.
Entretanto, o Poder Judiciário tem relativizado a aplicação do artigo citado, considerando penhoráveis alguns bens arrolados como absolutamente impenhoráveis no CPC, a fim de não tornar ineficaz toda e qualquer execução. Diante disso, é importante abordar a vasta polêmica sobre a possibilidade de penhora dos bens arrolados no art. 649 do Código de Processo Civil.
Um ponto bastante controverso é sobre a impenhorabilidade de qualquer verba de natureza salarial. Nota-se o caráter genérico do inciso IV, do artigo 649, do CPC, que considera impenhoráveis os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família; os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal.
Diante disso, nasce uma pergunta óbvia, mas de extrema importância: qual saldo existente em conta bancária que seria penhorável, já que praticamente todo e qualquer crédito existente advém de verba salarial ou do trabalho do devedor?
Faz-se relevante a diferenciação entre conta-salário e conta-corrente. A primeira é movimentada pelo titular exclusivamente para o recebimento mensal de salários ou pensões e o respectivo saque por meio do cartão magnético, não tendo acesso a qualquer linha de crédito ou outra possibilidade de movimentação. Portanto, deve a conta do beneficiado ser utilizada exclusivamente para esta finalidade, pois, caso haja movimentações típicas de conta-corrente, restará desconfigurada a natureza salarial do valor, abrindo a possibilidade de efetivação da penhora.
Já na conta-corrente, o cliente do banco recebe talões de cheque e cartão magnético, podendo movimentá-la livremente, inclusive com a possibilidade de contrair empréstimos e celebrar contrato de abertura de crédito em conta corrente, popularmente conhecido como cheque especial. Neste caso, os valores porventura devidos em um processo executório podem ser penhorados, sejam eles provenientes de verba salarial ou qualquer outro rendimento. A penhorabilidade de tais verbas provenientes de conta-corrente justifica-se pela constante movimentação e dificuldade de apuração da natureza dos valores creditados.
Neste caso, em observância ao princípio da razoabilidade, o bloqueio somente poderá ocorrer sobre parte do salário se for preservada a dignidade e a subsistência do devedor, conforme entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a seguir transcrito:
EMENTA: EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL – APREENSÃO DE VALORES DIRETAMENTE NA CONTA DO DEVEDOR – PENHORA – NATUREZA SALARIAL – CARÁTER ALIMENTAR – PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE – LIMITAÇÃO. – A regra insculpida pelo art. 649, IV, do CPC deve ser interpretada levando-se em conta a máxima de que a execução é deflagrada com a finalidade de satisfazer o direito do credor (art. 646). O entrecruzamento de tais dispositivos exige a adoção de uma regra hermenêutica capaz de compatibilizar a dignidade do devedor e a efetividade da tutela jurisdicional. – Nesta linha de raciocínio, considera-se que os valores obtidos a título de salário e vencimentos são impenhoráveis somente nos limites do eventual comprometimento da receita mensal necessária à subsistência do devedor e de sua família. (Agravo de instrumento n° 0516656-89.2010.8.13.0000 – Rel. Cláudia Maia – DJMG – 16/02/2011)
Sobre o tema aqui tratado, dizia o § 3º, do artigo 649, do CPC, vetado pelo Presidente da República:
“art. 649. (…)
§ 3º Na hipótese do inciso IV do caput deste artigo, será considerado penhorável até 40% (quarenta por cento) do total recebido mensalmente acima de 20 (vinte) salários mínimos, calculados após efetuados os descontos de imposto de renda retido na fonte, contribuição previdenciária oficial e outros descontos compulsórios.”
Caso o dispositivo acima tivesse entrado em vigor, somente poderiam ser penhoradas as verbas de natureza remuneratória e proventos de aposentadoria até 40% (quarenta por cento) do total recebido mensalmente, para aqueles que recebem acima de vinte salários mínimos. Este dispositivo foi corretamente vetado, sob o argumento de ser preciso uma maior discussão sobre a matéria pela comunidade jurídica e pela sociedade. Caso contrário, a penhora para satisfação de crédito poderia atingir prestações futuras de vencimentos, soldos, salários e pensões, tal como já acontece em se tratando de excussão patrimonial para pagamento de crédito decorrente de pensão alimentícia.
Quanto à penhorabilidade de quantias existentes em cadernetas de poupança, é considerado impenhorável o montante equivalente a até 40 salários mínimos, conforme preceitua o inciso X, do art. 649, do CPC. Em razão da taxatividade do dispositivo, qualquer decisão que autorize a penhora de valores abaixo dessa quantia em poupança é ilegal, ainda que haja disposições contratuais em sentido contrário.
No entanto, a impenhorabilidade da poupança até o limite previsto na lei processual pode facilitar a burla à execução, uma vez que cria alternativa aos devedores que conhecem a legislação de utilizarem a caderneta para impedir a penhora de valores. Portanto, a impenhorabilidade de até 40 salários mínimos na conta-poupança não se justifica, na medida em que vários outros bens já gozam da impenhorabilidade, não havendo razão para mais um óbice ao processo executório.
A partir da análise da impenhorabilidade absoluta das verbas salariais e das quantias nas cadernetas de poupança, bem como da efetividade da execução face à dignidade da pessoa humana, a jurisprudência teve que buscar uma solução prática que conjugasse todas as variáveis trazidas pelos incisos IV e X, do art. 649, do CPC. Diante disso, vários julgamentos emanados do TJMG prezam pela possibilidade da penhora de 30% (trinta por cento) de vencimentos do devedor, desde que não inviabilize a sobrevivência deste.
Sendo assim, a jurisprudência mineira procurou fixar percentual de penhora que respeitasse o postulado constitucional da dignidade da pessoa humana, mas que ao mesmo tempo não inviabilizasse o processo de execução.
O Superior Tribunal de Justiça tem adotado posicionamento ainda mais flexível, ao acolher a tese de que é penhorável qualquer valor que entre na esfera de disponibilidade do devedor, mas que pode ser dele retirado sem afetar a sua dignidade e subsistência.
Resta claro, pois, que o Poder Judiciário buscou flexibilizar a aplicação da legislação processual, a fim de garantir a efetividade do processo de execução, que estaria fadado ao fracasso caso os limites do artigo 649 do CPC não fossem atenuados.