Os limites para a exigência de capacidade técnica operacional nas licitações

Por Fernanda de Oliveira Santana

A Administração Pública deve respeitar a pertinência temática e os limites quantitativos para a exigência de capacidade operacional das empresas nos procedimentos licitatórios.

O procedimento licitatório tem o escopo de garantir a todos os licitantes igualdade de condições na participação da escolha dos fornecedores para a prestação dos serviços, execução de obras e fornecimento de bens para a Administração Pública.

É sabido que nas licitações públicas as empresas devem comprovar sua capacidade técnica operacional. É através dessa comprovação que se verificam as condições dos licitantes para executarem as atividades pertinentes ao futuro contrato.

A capacidade técnico-profissional se relaciona às pessoas físicas envolvidas em determinado projeto e vincula cada uma delas à execução do contrato pela vencedora, quando incluídas nas propostas apresentadas e relevantes para o resultado final da disputa. Por sua vez, a capacidade técnica operacional é da pessoa jurídica e deve ser prévia à licitação, com a demonstração de capacidade de execução do objeto que se pretende licitar por meio da comprovação de experiências anteriores.

Assim, para uma determinada empresa realizar serviço ou obra, é imperioso que ela comprove que possui a capacidade de executar o serviço ou obra demandados através de atestados específicos.

Referidos atestados são documentos emitidos por pessoa jurídica, de caráter público ou privado, para quem já desempenhou atividade similar com qualidade e pontualidade. O contratante deverá atestar de forma detalhada que o contratado prestou determinado serviço, executou determinada obra ou forneceu determinado bem, de modo satisfatório.

Conforme Marçal Justen Filho:

“A qualificação técnica operacional consiste em qualidade pertinente às empresas que participam da licitação. Envolve a comprovação de que a empresa, como unidade jurídica e econômica, participara anteriormente de contrato cujo objeto era similar ao previsto para a contratação almejada pela Administração Pública”.

Já a interpretação legal acerca das exigências de qualificação técnica e econômica se limita àquelas que são indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. Confira-se o disposto na Constituição Federal:  

Art. 37, inciso XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Também deve-se evidenciar o disposto no inciso II, do art. 30 do Estatuto das Licitações (Lei 8.666/93):

“II – comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos;

Ademais, o Tribunal de Contas da União proferiu a seguinte Súmula:

“SÚMULA TCU 263: Para a comprovação da capacidade técnico-operacional das licitantes, e desde que limitada, simultaneamente, às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto a ser contratado, é legal a exigência de comprovação da execução de quantitativos mínimos em obras ou serviços com características semelhantes, devendo essa exigência guardar proporção com a dimensão e a complexidade do objeto a ser executado.”

Destarte, resta-se demonstrado que a Administração Pública está estritamente vinculada ao objeto do edital para exigir a capacidade operacional das empresas.

Contudo, por vezes a Administração fixa condições mais severas nessa fase do certame ou incompatíveis com o objeto do contrato.

Tal fato pode ocorrer por uma série de motivos distintos. O mais comum deles é por erro de redação do edital. Com o volume de compras públicas necessárias, é muito comum que a Administração Pública se valha de modelos de edital, com textos padronizados, a fim de evitar a necessidade de se redigir um edital inteiro a cada licitação.

Tal fato, por si só, não é um demérito para a Administração, visto que, de fato, os editais possuem cláusulas padronizadas por imperativo legal. Logo, é uma verdadeira economia de energia, tempo e dinheiro para a Administração. O problema ocorre quando, por um lapso, os membros da equipe de licitação não observam cláusulas que não são padronizadas, como os dados para a comprovação de capacidade técnica operacional.

Tais itens diferem a cada certame, visto que são específicos de cada objeto licitado. Logo, essas são cláusulas “artesanais” e, por isso, se alteram de licitação em licitação. Se a equipe não observa esse item, a possibilidade de se verificar um edital que exija capacidade técnica operacional divergente do objeto da licitação é real.

Da mesma forma, é muito comum que a equipe de licitação “aproveite” edital de licitação anterior com o mesmo objeto. Neste caso, não haverá divergência entre o objeto licitado e o comprovante de capacidade técnica operacional exigido. Entretanto, pode ocorrer problemas com o quantitativo.

A legislação exige que a Administração limite as suas exigências de comprovação de capacidade técnica operacional em quantitativo compatível com o objeto licitado. Por exemplo, se a Administração vai adquirir determinada quantidade de carne, deverá exigir comprovação de capacidade técnica operacional proporcional àquela quantidade.

O problema ocorre quando a equipe aproveita um edital anterior para fazer, depois, a compra de menor quantidade e deixa de adequar os quantitativos da capacidade técnica operacional.

Nessa situação, o edital anterior, que era perfeitamente legal, na sua segunda utilização se torna ilegal, em razão de exigência superior àquela que corresponde ao objeto do edital.

Por fim, há situações em que realmente não se tem clareza sobre as soluções possíveis para o objeto do contrato e a Administração apresenta exigência de comprovação semelhante ou aproximada. Nesses casos incertos, é preciso observar a razoabilidade.

Muito comum em relação a questões complexas, como as ambientais e de novas tecnologias, é preciso observar com cautela as peculiaridades de cada certame. Caso a Administração exija capacidade em objeto semelhante, dada a peculiaridade do objeto licitado, não haverá, por si só, ilegalidade.

A questão a se avaliar é a pertinência sobre esta similaridade e o objeto da licitação. Isto porque a capacidade técnico-operacional serve para garantir segurança para a Administração no sentido de que o licitante tem condições e know how para a execução do contrato, caso seja o licitante vencedor. Se o objeto não é pertinente, essa segurança não existe e a comprovação de capacidade perde o sentido.

Logo, caso o licitante verifique exigências que não sejam pertinentes ao certame, deverá solicitar esclarecimentos acerca daquela imposição, e, se for o caso, impugnar o edital a fim de resguardar seus direitos.

É importante que tais impugnações sejam realizadas imediatamente após o lançamento do edital, visto que a publicação do edital serve exatamente para que os pretensos licitantes avaliem a existência de quaisquer erros. A não manifestação após a publicação do edital é considerada como concordância com os seus termos e pode inviabilizar qualquer questionamento posterior, principalmente quando se tratar dessas situações limites em que não há clareza sobre a pertinência ou não da exigência.

De toda forma, se a exigência for estapafúrdia e completamente divergente do objeto licitado, resta aberta a possibilidade de impugnação posterior pelo licitante, caso seja inabilitado com fundamento na não comprovação da incapacidade técnico-operacional. Trata-se de caminho mais complexo, mas que ainda conta com amplo respaldo legal para impugnação e discussão, tanto administrativa quanto judicial.

O importante é sempre demonstrar que a margem de discricionaridade da Administração para tal exigência é restrita, visto que a sua função é apenas aumentar a segurança e a garantia para a Administração de que o objeto licitado será executado. Fora dessa finalidade, a exigência é ilegal e fere os princípios da Administração Pública e da licitação, visto que tende a reduzir a amplitude do certame.

Portanto, é muito importante para qualquer licitante ter o cuidado de ler todo o edital assim que publicado para evitar exigências descabidas, promovendo as devidas impugnações. Caso isso não seja possível, o licitante deve ter clareza de que não precisa aceitar exigências descabidas, devendo participar de todo o certame e, caso seja inabilitado por motivos ilegais, deve buscar todas as vias recursais e judiciais disponíveis para garantir o seu direito à contratação.