Por Gabriel Senra da Cunha Pereira, Fausto Vieira da Cunha Pereira e Ana Vitória Wernke
O Congresso Nacional aprovou e a presidente da República sancionou a Lei 12.462, de 5 de agosto de 2011, que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC, decantado em verso e prosa pelo meio político, midiático, esportivo e empresarial do Brasil.
A velocidade com que o tempo passa faz crer que a Copa das Confederações, primeiro dos eventos esportivos mundiais a ocorrer no Brasil nesta década, esteja prestes a bater com a bola na trave. Os 45 minutos do primeiro tempo já passaram e ainda se debate como a legislação reserva irá ocupar a titularidade da Lei Geral de Licitações e Contratos. Fato é que, com a intenção de agilizar os procedimentos, o RDC já entrou em campo. Se o Supremo Tribunal Federal (STF) não o declarar inconstitucional, será ele que se aplicará às licitações e contratos necessários à realização da Copa das Confederações, Copa do Mundo, Olimpíadas e Paraolimpíadas.
Em todos os meios, levantam-se opiniões contra e a favor do novo regime legal, muitas delas, porém, amparadas apenas em argumentos passionais e ideológicos. A população leiga está desprovida de argumentos sólidos para se posicionar contra ou a favor do afastamento da Lei Geral de Licitações em detrimento do RDC.
A Constituição da República de 1988 (CR/88) é clara ao estabelecer, em seu artigo 37, inciso XXI, que, em regra, todas as contratações públicas, seja de bens ou serviços, deverão ser precedidas de processo licitatório que garanta igualdade de condições entre os participantes. A CR/88 ainda prevê que a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência são princípios que norteiam o direito público e, consequentemente, a administração pública.
A frase que reverbera uníssona no meio contrário ao RDC é sobre a inconstitucionalidade do artigo 6º, que prevê que o orçamento previamente estimado para a contratação somente será tornado público depois do encerramento da licitação, por supostamente ferir o princípio da publicidade. É sobre a constitucionalidade ou não desse específico e polêmico ponto da Lei 12.462/11 que o presente texto se debruçará.
O subsídio para o detalhamento de preços para a contratação de obras pela administração pública é o Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (Sinapi), amplamente divulgado pelo IBGE, sistema do qual o orçamento não se esquivará da aplicação, não importando, pois, em primeira análise, em sigilo que afronte o princípio da publicidade.
É nesse sentido que a Lei 12.462/11 tonifica diferentemente o regime contratações para os campeonatos desportivos que elenca. O RDC, ao dar conhecimento do orçamento prévio apenas ao final da licitação, minimiza a incidência de ofertas de preços muito próximas ao do Sinapi, podendo baratear a obra e aproximar o empreendimento do seu custo real, sem acréscimos exorbitantes e prejudiciais ao interesse público.
Na prática, considere-se como exemplo um empreendimento particular: não convém ao dono da obra revelar ao empreiteiro quanto está disposto a gastar com ela, sob pena de ver seu orçamento inicial esgotar-se com o primeiro pilar levantado.
A permissão trazida pelo RDC também visa a dificultar a formação de conluios (combinação de preços) entre os licitantes, impedindo-os de saber previamente quanto a administração pretende gastar com a obra.
A não demonstração do orçamento no edital da licitação não é novidade no ordenamento jurídico brasileiro. A Lei nº 10.520/02, que instituiu o pregão, já permite que o orçamento não conste do instrumento convocatório. O Tribunal de Contas da União também manifestou o mesmo entendimento, de que “no pregão o orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários não constitui um dos elementos obrigatórios do edital”.
Por outro lado, o RDC autoriza a divulgação no edital dos quantitativos e das demais informações necessárias à elaboração da proposta, a fim de reduzir a possibilidade de ofertas inexequíveis ou inadequadas.
Percebe-se por este pequeno estudo que o sigilo dos orçamentos previsto no RDC não se aparenta inconstitucional, como equivocadamente vem sendo exposto para a sociedade em geral. Nesse mesmo sentido, o procurador-geral da República (PGR), ao ajuizar Ação Direta de Inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal, não incluiu entre os dispositivos atacados o mencionado artigo 6º, comungando com o entendimento aqui exposto. Quanto aos demais argumentos utilizados pelo PGR, esses não serão objeto deste estudo.
Na realidade, o que se mostra é que em muitos pontos o RDC encontra-se anos-luz à frente da Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos, considerando-se a necessária desburocratização do procedimento licitatório. Mas, a cada dia, infelizmente, o que se vê é uma maior e incessante burocratização da Lei Geral, principalmente no que tange a inúteis exigências habilitatórias, ao passo que o RDC, em rumo oposto, tem buscado desburocratizar o procedimento e aumentar sua eficiência.
Enfim, urge que os estudiosos do direito se debrucem ainda mais sobre o tema, a fim de impedir interpretações equivocadas e possibilitar o alcance do princípio da eficiência na administração pública, devendo sempre lembrar que não são as leis que impedirão os desmandos, mas a boa moral administrativa e a eficaz e rigorosa fiscalização.
* Artigo publicado no caderno Direito & Justiça, do jornal Estado de Minas, em 31/10/2011