A JUSTIÇA EM MEIO À PANDEMIA

Por Ana Flávia Landim da Cunha Pereira

No início deste ano, a Pandemia de COVID – 19 atacou o mundo e sem poupar ninguém, trouxe consigo gravíssima crise na saúde e na economia.

Empresas foram fechadas e pessoas foram demitidas. Os números de antes hoje são parentes, amigos e conhecidos. Grandes decisões precisaram ser tomadas para amenizar os prejuízos causados pela pandemia. Muitas empresas e locais públicos tiveram que ser temporariamente fechados, com o objetivo de evitar o colapso no sistema público de saúde.

No âmbito do Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) suspendeu de março a 30 de abril de 2020 os atendimentos presenciais de partes, advogados e interessados, bem como os prazos processuais nos processos físicos e eletrônicos.

Porém, o isolamento social se manteve após essa data e, com isso, foram necessárias novas medidas para que os processos judiciais não ficassem parados, gerando mais prejuízos aos jurisdicionados.

As atividades presenciais ainda não retornaram. Mas, buscando adaptações, os Tribunais de Justiça e a Justiça do Trabalho de diversos estados e regiões do Brasil encontraram algumas soluções para dar celeridade à prestação jurisdicional, tais como designação de audiências virtuais, sustentações orais virtuais e prioridade no levantamento de alvarás por transferências bancárias.

Essas mudanças trouxeram muitas vantagens. Agora não é mais necessário enfrentar trânsito para se deslocar presencialmente até a Justiça do Trabalho ou aos Tribunais, pode-se realizar as audiências do conforto de casas ou escritórios, e se pode usar o tempo de deslocamento e de espera para o início da audiência para produzir.

Não há dúvidas, portanto, de que partes, advogados, estagiários, servidores e magistrados tiveram que se adaptar rapidamente às mudanças estabelecidas pelo CNJ.

E, é certo, muitas destas mudanças não irão embora quando a pandemia acabar. Elas vieram para ficar.

Porém, essas mesmas mudanças trouxeram também muitas preocupações e aqui irei mostrar algumas situações.

O primeiro problema são os sistemas usados para a realização das audiências. Para que as partes e advogados possam participar das audiências, é necessário um computador/notebook ou aparelho celular com câmera e microfone. Também serão necessários uma boa internet e um mínimo de conhecimento sobre tecnologias. É importante dizer, ainda, que as testemunhas não podem estar nos mesmo ambiente que os advogados, partes e outras testemunhas.

Ressalta-se que as audiências de instrução são essenciais para a solução adequada do processo, uma vez que os depoimentos de partes e testemunhas têm forte peso nas decisões dos magistrados e no resultado do processo.

Para possibilitar a realização das audiências dessa forma, o interessado deve abrir o aplicativo ou link e entrar na “sala de reunião”. Infelizmente, porém, nem todas as partes e testemunhas possuem acesso digital suficiente para conseguirem participar tranquilamente de uma audiência virtual, já que grande parte da população não tem acesso a uma boa internet, um bom computador e estrutura adequada.

De forma diferente, nas audiências presenciais todos conseguem se ver, dificultando que a audiência seja realizada com a violação das regras, como a utilização de “colas” e roteiros e o diálogo entre testemunhas sobre os depoimentos já prestados.

Apesar do esforço dos magistrados ao tentarem manter a ordem, ainda assim é muito difícil se garantir que todos os presentes no ambiente virtual estejam respeitando, efetivamente, as regras do processo, mantendo-se assim a isenção necessária na hora da colheita da prova.

Além disso, pode ocorrer alguma interferência no curso da audiência, o “travamento” do som ou da imagem, e diversos problemas semelhantes.

Nesses casos, o prejuízo para o julgamento pode ser enorme.

Por conta desses problemas, a Comissão de Direitos Sociais e Trabalhistas da OAB/MG apresentou uma Cartilha “Audiências Telepresenciais Virtuais na Justiça do Trabalho TRT MG”, em que diz:

“As audiências virtuais são inovadoras e demandam uma gradual adaptação da advocacia e também do poder judiciário. Nesse sentido, a Comissão de Direitos Sociais e Trabalhistas da OAB/MG manifesta a preocupação principalmente com a audiência de instrução e julgamento que é o ato de relevância vital para o processo, sendo certo que eventual contaminação da prova poderá resultar em um inequívoco prejuízo aos demandantes e a sociedade como um todo, haja vista o ato não ser realizado na presença física do juiz, que confere peso a solenidade de autoridade estatal ao ato.
(…)

A advocacia não é contrária à realização das audiências virtuais, contudo, é necessário que ambas as partes manifestem interesse na sua realização, bem como seja possível, devendo a magistratura atender aos pedidos dos advogados em respeito ao devido processo legal, à segurança jurídica e às prerrogativas da advocacia.” (grifos nossos)

Dessa forma, o ideal para que o processo tenha um tramite justo para as partes seria que ambas concordassem com a audiência de instrução virtual.

Mas, ainda há muita incompreensão sobre as consequências da realização de audiências virtuais, de modo que, em algumas oportunidades, no desejo de se efetivar a Justiça com celeridade, os pedidos de adiamento têm sido indeferidos, mesmo quando há demonstração das dificuldades dos clientes e testemunhas que não dispõem de estrutura e capacidade técnica necessárias e aptas à realização da audiência.

Por outro lado, não se pode deixar de considerar a possibilidade de, mesmo aqueles que não enfrentam esse tipo de problema terem o interesse de adiar ao máximo possível o fim do processo com o único objetivo de “ganhar tempo”.

Pessoalmente, acredito que é necessário continuar com algumas destas medidas até depois do fim da pandemia, como realizar audiências virtuais mais simples que não trarão nenhum prejuízo para as partes, como é o caso das audiências de conciliação, audiências iniciais e audiências em fase de conhecimento.

Porém, o fato é que ainda não estamos prontos para a realização de todas as audiências de instrução de forma virtual. O desafio é criar mecanismos que tornem possível a realização de tais audiências sem que nenhuma das partes, e nem a Justiça, sejam prejudicadas.