Por Lis Moreira é advogada administrativista no escritório Cunha Pereira & Massara Advogados, pós-graduada em Direito Público e Direito de Empresa pela PUC-Minas.
Nos termos do inciso XXI do art. 37 da Constituição da República, ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação.
Regulamentando referido dispositivo constitucional, temos a Lei n. 8.666/93 e a Lei n. 14.133/21, que trazem as hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação. Uma das hipóteses de dispensa de licitação é a dispensa por valor, verbis:
Art. 24. É dispensável a licitação:
[…]
II – para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea “a”, do inciso II do artigo anterior e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez;
(Lei n. 8.666/93)
Art. 75. É dispensável a licitação:
[…]
II – para contratação que envolva valores inferiores a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), no caso de outros serviços e compras;
[…]
§ 4º As contratações de que tratam os incisos I e II do caput deste artigo serão preferencialmente pagas por meio de cartão de pagamento, cujo extrato deverá ser divulgado e mantido à disposição do público no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP). (g.n.).
(Lei n. 14.133/21)
A permissividade de ambas as leis para as compras diretas por valor, é, portanto, evidente. A sua utilização continuada pelos órgãos públicos também, mas e quanto a realização dessas compras por meio de lojas virtuais situadas na rede mundial de computadores? Questiona-se: A Administração Pública pode comprar, por dispensa de licitação, em lojas virtuais na internet e pagando mediante boleto ou pix antecipadamente?
É sabido que a internet chegou e mudou sobremaneira o modo de viver e de se relacionar das pessoas. As relações comerciais não saíram ilesas, e a partir da conexão de aparelhos eletrônicos à internet, podemos realizar compras em um universo de lojas virtuais, sem sair de casa.
Na opinião de Luiz Cláudio de Azevedo Chaves, administrador público e jurista:
Não é controverso o fato de que a internet impactou comércio em todos os segmentos. A redução de custos operacionais com a eliminação de lojas físicas, associado à maior capilaridade no alcance da clientela, propiciou às empresas alavancar seus negócios. Hodiernamente, vemos o fenômeno do marketplace dar maior amplitude a essas vantagens, sendo, na opinião de Carol Kuviatkoski, um dos modelos de negócio mais rentáveis do mercado. (…) É justamente no que se transformaram as grandes varejistas como Lojas Americanas, Magalu, entre outros. É fácil explicar o motivo. Como essas lojas virtuais têm grande alcance ao mercado e custos reduzidos, conseguem praticar preços muito mais vantajosos em razão da economia de escala.
Se o próprio mercado sinaliza que os preços obtidos por meio de compras realizadas na internet são muito mais vantajosos que aqueles praticados por lojas físicas, e considerando que um dos pilares da contratação pública é justamente a obtenção da proposta mais vantajosa para a Administração, não vislumbro fundamentos que possam afastar essa prática.
Aliados a vantajosidade da proposta, os princípios da eficiência e da economicidade conduzem os órgãos públicos pelo mesmo caminho, aquele em que a utilização das tecnologias disponíveis levará ao aprimoramento e sucesso das compras públicas.
Já era possível encontrar no mundo jurídico alguns julgados a esse respeito, como ocorrido no Processo nº 07815e19 – Parecer nº 01067-19 no TCM do Estado da Bahia:
CONSULTA. COMPRAS PELA INTERNET. DISPENSA EM RAZÃO DO VALOR. POSSIBILIDADE. Ao contratar com portal eletrônico de vendas de bens, o gestor não pode se descuidar de exigir a documentação mínima necessária para a dispensa de licitação fundada no art. 24, II, assim como atentar-se para o cumprimento do art. 26, parágrafo único. Do mesmo modo, deve compatibilizar as características do e-commerce com o regramento legal, para que a contratação direta seja processada com os procedimentos devidos, inclusive com a observância das etapas da despesa pública. A compra em site eletrônico sem a observância do rito administrativo para a contratação direta contraria a Lei de Licitações. (Salvador, 04 de junho de 2019).
Recentemente o Tribunal Pleno do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais fixou prejulgamento de tese, com caráter normativo, autorizando a Administração Pública a efetuar a compra direta pela internet, nos seguintes termos:
1 – na hipótese de dispensa de licitação em razão do valor, a Administração Pública pode efetuar a compra direta pela internet, inclusive de lojas exclusivamente virtuais, desde que atendidos os requisitos legais aplicáveis à contratação direta e adotadas boas práticas que mitiguem os riscos de inadimplência, como o uso de sites reconhecidos e manifestamente confiáveis, além da consulta a todos os documentos imprescindíveis à aceitação da proposta.
Questão importante que deve ser ressaltada é a necessidade de serem observadas as formalidades legais, impostas pela lei. Isto é, a facilidade e a informalidade da compra direta pela internet não eximem o servidor público de instaurar o competente processo administrativo prévio em que fique devidamente justificado o motivo da dispensa, bem como a instrução com os requisitos exigidos no artigo 26, parágrafo único, da Lei nº 8.666/1993. Para aquelas contratações que já seguirem o rito previsto na Lei 14.133/2021, a instrução processual deverá seguir conforme o seu art. 18, aplicando-se as exceções previstas na lei.
Em relação ao pagamento ocorrer de forma antecipada, o Plenário do Tribunal assim se manifestou:
2 – atendidas as exigências legais, é possível o pagamento antecipado nas compras realizadas pela Administração Pública. Destaca-se que a antecipação de pagamento é medida excepcional, admitida apenas em certas situações, nas quais a Administração Pública deve demonstrar que o pagamento antecipado é indispensável à contratação ou à obtenção de sensível economia de recursos, nos termos previstos em lei.
O órgão reforçou que muito embora a regra seja a de que o pagamento somente é efetuado após o cumprimento da contraprestação pelo contratado, nos termos do art. 62 e 63 da Lei 4.320/64, há bastante tempo, a doutrina e a jurisprudência já admitem algumas hipóteses excepcionais de pagamento antecipado, desde que devidamente justificadas e com a adoção das garantias necessárias, como é o caso da assinatura de jornais, revistas e periódicos e em algumas situações de compras emergenciais que concretizaram-se durante a pandemia.
A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Lei n. 14.133/21, prevê a possibilidade excepcional de pagamento antecipado, verbis:
Art. 145. Não será permitido pagamento antecipado, parcial ou total, relativo a parcelas contratuais vinculadas ao fornecimento de bens, à execução de obras ou à prestação de serviços.
§ 1º A antecipação de pagamento somente será permitida se propiciar sensível economia de recursos ou se representar condição indispensável para a obtenção do bem ou para a prestação do serviço, hipótese que deverá ser previamente justificada no processo licitatório e expressamente prevista no edital de licitação ou instrumento formal de contratação direta.
§ 2º A Administração poderá exigir a prestação de garantia adicional como condição para o pagamento antecipado.
§ 3º Caso o objeto não seja executado no prazo contratual, o valor antecipado deverá ser devolvido.
Assim, baseando na Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, o Tribunal Pleno do Tribunal de Contas de Minas Gerais concluiu que poderá haver a antecipação de pagamento em duas hipóteses: 1) se representar condição indispensável para a obtenção do bem ou para a prestação do serviço; e 2) se propiciar sensível economia de recursos.
Na primeira hipótese, além dos demais requisitos legais para a contratação direta, deve existir motivação detalhando o porquê de o pagamento antecipado ser indispensável para a obtenção do bem ou para a prestação do serviço. Na segunda hipótese, além dos demais requisitos legais para a contratação direta, deve haver estudo fundamentado demonstrando que o pagamento antecipado possibilitará sensível economia de recursos. E, em ambas hipóteses, deve existir previsão no instrumento formal de contratação direta e existência de garantias suficientes, que resguardem a Administração dos riscos inerentes à operação.
Referências Bibliográficas:
CHAVES, Luiz Cláudio de Azevedo. A compra de produtos pela internet, com pagamento por boleto bancário ou cartão corporativo pela Administração Pública. Zênite Fácil, categoria Doutrina, 25 jan. 2022. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em 11 11 2023.
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS, Processo nº 1127049, Relator Conselheiro Wanderley Ávila, Data da Sessão: 18/10/2023. Disponível em: tce.mg.gov.br. Acesso em 12/11/2023.