Despesas no fim do exercício financeiro: como proceder segundo entendimento dos Tribunais de Contas.

Por Camila Palhares Sanson – Advogada e Pós-graduada em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Possui formação complementar em Tendências do Direito Administrativo. Atualmente cursando MBA em Administração Pública.


Aproximando-se do fim do ano é usual que surjam dúvidas de como proceder com as despesas oriundas do corrente ano, mas que deverão ser quitadas no exercício financeiro seguinte. A contratação de despesas públicas no fim do exercício financeiro é uma prática utilizada como estratégia para reduzir gastos e cumprir as metas orçamentárias estabelecidas, cujo principal objetivo é evitar a perda de verbas públicas disponíveis ao final do ano fiscal, além de ser uma maneira de manter o serviço público em constante funcionamento.

            Assim, diante da importância do assunto e das inúmeras dúvidas dele advindas, os Tribunais de Contas já foram instados a se manifestarem diversas vezes. O TCE-MG, por sua vez, possui entendimento de que se a contratação tem previsão de ser concluída no exercício financeiro em que foi contratada e, por alguma razão não o foi, deverá ser feita, obrigatoriamente, a provisão de recursos financeiros para efetivar o pagamento no exercício financeiro seguinte, tendo em vista que havia prévia dotação orçamentária e foi com base nela que foi contratada a obra ou serviço.

Por outro lado, se for contratada obra ou serviço a serem executados em mais de um exercício financeiro, o gestor não está obrigado a prover recursos financeiros para pagar as parcelas que serão executadas com dotações dos orçamentos dos exercícios financeiros seguintes[1].

Note-se que a rubrica “Restos a pagar” se origina justamente da necessidade de se dar continuidade ao serviço da Administração Pública. É salutar e bastante esclarecedor o seguinte trecho da lição do professor Celso Antônio Bandeira de Mello[2]:

“O princípio da continuidade do serviço público é um subprincípio, ou, se se quiser, princípio derivado, que decorre da obrigatoriedade do desempenho da atividade administrativa. Esta última, na conformidade do que se vem expondo, é, por sua vez, oriunda do princípio fundamental da ‘indisponibilidade, para a Administração, dos interesses públicos’, noção que bem se aclara ao se ter presente o significado fundamental já exposto da relação de Administração.

Com efeito, uma vez que a Administração é curadora de determinados interesses que a lei define como públicos e considerando que a defesa, e prosseguimento deles, é, para ela, obrigatória, verdadeiro dever, a continuidade da atividade administrativa é princípio que se impõe e prevalece em quaisquer circunstâncias.”

            Em que pese a possibilidade de se utilizar o instituto do restos a pagar, diante de má utilização da referida rubrica e visando corrigir desvios que possam afetar o equilíbrio das contas públicas, o legislador inseriu a regra do artigo 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal, a qual prevê que é vedado ao titular de Poder ou órgão contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dos últimos dois quadrimestres do seu mandato, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito.

O TCE-MG entende que para as parcelas compromissadas para os exercícios subsequentes, não é necessária a existência de recursos na data de encerramento do exercício financeiro. Porém, a contratação deverá estar incluída no Plano Plurianual – PPA, deverá haver previsão desta tanto na Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO quanto na Lei Orçamentária Anual – LOA relativas a cada exercício ao qual ela se estenda, tudo nos limites financeiros previstos no cronograma de execução físico-financeiro. De igual modo, por inúmeras vezes a Assessoria de Súmula, Jurisprudência e Consultas Técnicas do TCE-MG já deliberou acerca dos tópicos. Cite-se:

a) “contrair obrigação de despesa nos últimos dois quadrimestres do mandato é assumir compromissos em decorrência de diploma legal, contrato ou instrumento afim, que não existiam antes dos últimos oito meses do final do mandato, obrigações novas, essas, que o prefeito pode ou não assumir, diante da possibilidade de haver ou não recursos financeiros para pagar as correspondentes despesas” – Consulta n. 751.506 (27/6/2012);

b) “a acepção da expressão ‘contrair obrigação de despesa’ adotada no preceptivo legal sob comento é a do momento da geração da despesa, e não a do momento do empenho do gasto público” – Consulta n. 660.552 (8/5/2002);

c) “(…) se a disponibilidade de caixa líquida apurada no fluxo financeiro for suficiente para pagar a despesa nova, o titular de Poder ou Órgão poderá assumi-la. Caso contrário, a obrigação de despesa nova não poderá ser assumida, sob pena de o ordenador ser incurso em crime contra as finanças públicas” – Consulta n. 660.552 (8/5/2002); e

d) as despesas com obras “são despesas de capital, que, caso ultrapassem o exercício financeiro, devem estar previstas no Plano Plurianual, na Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária, consoante art. 165 da Constituição da República de 1988” – Consultas n. 708.768 (2/8/2006), 837.547 (24/11/2010), 800.718 (2/9/2009), 734.928 (28/11/2007), 676.763 (2/4/2003), 677.001 (2/4/2003) e 611.381 (29/9/1999).

            Diante disso, tribunais superiores, em consonância com a doutrina, entendem que o objeto da contratação jamais poderá contar com a obtenção futura de recursos financeiros. Assim sendo, na intenção de barrar a assunção de dívidas pela Administração Pública, bem como o comprometimento fiscal, é necessário que exista indicação do recurso no seu orçamento, para que assim, possa licitar.

A própria Lei Federal 14.133 em seus artigos 18 e 72 prevê a necessidade de se demonstrar a compatibilidade da previsão de recursos orçamentários com o compromisso a ser assumido.

Note-se, portanto, que é possível a assunção de despesas no fim do exercício financeiro, bem como no fim do mandato, desde que sejam observadas as regras orçamentárias. Para aqueles casos que a despesa deveria ser quitada e não o foi por razões externas à vontade do administrador, deve-se empenhar todo o valor inserindo o residual em restos a pagar. Por outro lado, quando a expectativa inicial era de que a despesa se prologasse ao longo do tempo, deve-se atentar para que haja sua previsão tanto na LDO, quanto na LOA.

O Escritório Cunha, Pereira e Massara possui vasta experiência em licitações e contratos e em todas as nuances que envolvem a aplicação das Leis 8.666/93 e 14.133/2021 e está preparado para esclarecer eventuais dúvidas sobre a inserção de dívidas em restos a pagar, bem como sobre questões relacionadas a rubricas orçamentárias.


[1] Tribunal Pleno do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais – Processo 986699. Sessão em 27/09/2023

[2] Curso de direito administrativo – Celso Antônio Bandeira de Mello. Imprenta: São Paulo, Malheiros, 2008.