Entrada de garrafinhas de água em eventos: o que aconteceu e o que esperar

Por Fernando Landim da Cunha Pereira


Nos últimos dias muito se tem discutido a respeito da comum proibição que pessoas acessem eventos fechados, como shows e festas, portando garrafas de água em razão do incidente ocorrido no show da Taylor Swift no dia 17 de novembro deste ano em razão de uma possível desidratação.

A discussão começou quando a fã da Taylor Swift, Ana Clara Benevides Machado, de 23 anos, passou dentro do estádio Nilton Santos, durante o show da cantora, sendo a causa da morte uma possível desidratação de hipertermia.

O Rio de Janeiro fazia parte de uma região que passava por uma forte onde de calor, que fez com que várias cidades do Brasil alcançassem temperaturas recordes, sendo que, segundo estudo, a sensação termina no show chegou a incríveis 59ºC.

A organização do evento recebeu uma enxurrada de críticas pelo fato de não ter permitido a entrada do público com garrafinhas de água apesar do calor, o que teria feito Ana Clara, assim como várias outras pessoas, passarem mal no local.

Antes de passarmos para o que deverá ocorrer nos próximos meses, é importante entender o porquê de comumente ser proibida a entrada em eventos do tipo com garrafas de água.

Não existe (ainda) legislação específica sobre o assunto no Brasil, sendo que as medidas são tomadas por recomendação de órgãos públicos, por costume e por decisão comercial. O principal ponto da proibição é a segurança e o Brasil não é o único lugar a adotar essa medida.

Ao permitir a entrada de garrafas de água, inevitavelmente teria que se delimitar os materiais que seriam permitidos a entrada. Garrafas de vidro ou de plástico duro certamente não poderiam ser autorizados de qualquer forma, uma vez que poderiam ser utilizados como arma e serem arremessados na plateia ou no próprio artista.

Existe ainda o problema das tampas das garrafas, que geralmente são feitas de plástico duro podem ter partes cortantes, sendo que também podem ferir pessoas a depender da forma que ela for atingida.

Devemos lembrar do caso em que o cantor Carlinhos Brown recebeu uma chuva de “garrafadas” no Rock In Rio de 2001. Apesar de não ter machucado o artista, uma garrafa de vidro ou mesmo uma garrafa de água completamente cheia poderia ter machucado o artista ou outras pessoas que estavam próximas.

Além disso, permitir a entrada de garrafinhas de água traz consigo o risco de entrada de outras substâncias dentro do recipiente, o que inclui bebidas alcoólicas, líquidos inflamáveis e drogas.

Justamente por essas razões, muitas empresas organizadoras permitem a entrada com copos de água descartáveis lacrados. Eventos como o Rock In Rio e The Town permitem a entrada de garrafas de água, desde que de plástico mole e sem tampas.

Fato é que, independente de tudo isso, é nítido que faltou razoabilidade para os organizadores do show da Taylor Swift ao proibirem a entrada do público com água, mesmo que copos de descartáveis, tendo em vista que se tratava de uma situação excepcional, em um dia que o Rio de Janeiro enfrentava uma das temperaturas mais altas de sua história e em um concerto que, sabidamente, pessoas ficariam o dia inteiro sem deixar seu lugar.

Tanto é verdade que nos shows da turnê, a produtora do evento permitiu a entrada com copos de água descartáveis lacrados, alimentos industrializados e passou a fornecer água gratuitamente nas filas, entradas e interior do local.

Será que isso não poderia ter sido feito antes?

Em razão da recente tragédia e da comoção que naturalmente se gerou em torno das falhas cometidas pela empresa produtora do evento, o Ministério da Justiça e da Segurança Pública publicou, por meio da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), portaria que obrigaria as empresas organizadoras de eventos a permitir a entrada de público com garrafas de água de uso pessoal, desde que feitas com material adequado, presumindo-se que não seriam permitidas garrafas de vidro ou plástico duro.

Além disso, as empresas passariam a ter que disponibilizar ilhas de hidratação, para fornecimento de água gratuita e de fácil acesso.

Cabe dizer que o Código de Defesa do Consumidor garante o direito à segurança, saúde e dignidade do consumidor, o que deve ser observado pelas produtoras de eventos, que devem criar alternativas para evitar que o público em shows fique em situações que representem risco à sua saúde.

Veja-se:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo (…)

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

I – a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

É certo que a organização do evento tem o dever de garantir a segurança dos consumidores, cabendo a ela, também, adotar medidas alternativas para assegurar o bem-estar do público.

Não pode a empresa promover um espetáculo, vender ingressos e depois se abster de se preocupar se as pessoas estão sentindo calor ou tem algo para beber.

A discussão a respeito do tema fez com que mais de dez projetos de lei que tratam da obrigatoriedade de fornecimento de água potável gratuita em eventos fossem protocolados em menos de uma semana.

O projeto que mais ganhou destaque está recebendo o nome de “Lei Ana Benevides”, que obrigaria a organização a colocar bebedouros espalhados pelo ambiente para eventos com grande concentração de pessoas, e que fossem colocadas coberturas para filas que se formam antes da entrada das pessoas.

Certamente teria que se avaliar a viabilidade de se aprovar o projeto em questão, de forma que não tornaria inviável a realização de shows e grandes eventos por algo que poderia ser resolvido de forma muito mais fácil, com o mínimo de razoabilidade das produtoras e respeito ao consumidor.

Infelizmente é com erros como esse que evoluções se apresentam, e é exatamente o que está acontecendo e é o que podemos esperar para os próximos anos, criando-se um ambiente mais seguro e agradável para todos em grandes eventos.