Às microempresas e empresas de pequeno porte é assegurado tratamento favorecido quando da participação em processos licitatórios de compras públicas, conforme regramento previsto nos artigos 42 a 49 da Lei Complementar nº 123/2006.
Além de preferências nas aquisições de bens e serviços pelos poderes públicos, a Lei Complementar inclui aspectos como regime único de arrecadação de impostos e contribuições, simplificação de obrigações trabalhistas e previdenciárias, facilitação de acesso a crédito e mercados e um cadastro nacional único de contribuintes, visando simplificar e agilizar os processos para essas empresas.
Dentre os benefícios a elas garantidos estão:
- Possibilidade de participação exclusiva de microempresas e empresas de pequeno porte em licitações de valores de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).
- Possibilidade de cota de até 25% do objeto de licitações para a contratação de microempresas e empresas de pequeno porte em certames para a aquisição de bens e serviços de natureza divisível.
- Possibilidade de subcontratação de microempresas e empresas de pequeno porte.
- Previsão de empate ficto, que permite às microempresas e empresas de pequeno porte a possibilidade de apresentar nova proposta quando sua oferta inicial estiver até um percentual definido por lei acima da melhor proposta de empresas de maior porte.
- Simplificação das exigências de habilitação, facilitando a participação dessas empresas nas licitações.
A ideia que circunda o tratamento favorecido das microempresas e empresas de pequeno no âmbito da participação em processos licitatórios é assegurar maior igualdade de competição com grandes empresas. Os benefícios a elas garantidos constituem verdadeiros atrativos para participação de licitações, elevando a competitividade, estimulando o crescimento e a sustentabilidade dessas empresas, e possibilitando à Administração Pública a escolha de propostas mais vantajosas e econômicas.
A aplicabilidade, no entanto, das condições acima citadas pode ser afastada em algumas situações específicas, conforme extrai-se dos §§ 1º e 2º, do artigo 4º da Lei nº 14.133/2021:
Art. 4º Aplicam-se às licitações e contratos disciplinados por esta Lei as disposições constantes dos arts. 42 a 49 da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006.
§ 1º As disposições a que se refere o caput deste artigo não são aplicadas:
I – no caso de licitação para aquisição de bens ou contratação de serviços em geral, ao item cujo valor estimado for superior à receita bruta máxima admitida para fins de enquadramento como empresa de pequeno porte;
II – no caso de contratação de obras e serviços de engenharia, às licitações cujo valor estimado for superior à receita bruta máxima admitida para fins de enquadramento como empresa de pequeno porte.
§ 2º A obtenção de benefícios a que se refere o caput deste artigo fica limitada às microempresas e às empresas de pequeno porte que, no ano-calendário de realização da licitação, ainda não tenham celebrado contratos com a Administração Pública cujos valores somados extrapolem a receita bruta máxima admitida para fins de enquadramento como empresa de pequeno porte, devendo o órgão ou entidade exigir do licitante declaração de observância desse limite na licitação.
A partir da leitura do § 1º, incisos I e II, pode-se afirmar que para licitações de valores superiores à receita bruta máxima admitida para fins de enquadramento como empresa de pequeno porte, não são aplicados os benefícios da Lei Complementar.
Se a licitação for estruturada de forma a ser dividida em itens individuais ou agrupados em lotes — situação na qual cada item ou lote é tratado como uma licitação independente —, o valor considerado para análise deve ser o correspondente a cada item ou lote específico.
O § 2º descreve outra situação em que o tratamento favorecido não será aplicável: ocorre quando a empresa licitante já possuir contratos com a Administração Pública cujos valores acumulados superem o limite da receita bruta máxima permitida para enquadramento como empresa de pequeno porte, dentro do mesmo ano em que a licitação é realizada.
Isso porque pressupõe-se que as empresas com receitas já contratadas que excedam os limites de enquadramento como microempresas e empresas de pequeno porte têm capacidades financeiras e operacionais mais robustas, o que as coloca em uma posição mais competitiva. Portanto, não necessitam das mesmas medidas de suporte que empresas menores precisam para competir efetivamente.
Poderiam surgir dúvidas em relação à formalização de atas de registro de preço com a Administração Pública. Se a empresa licitante tiver firmado atas de registro de preço com órgãos públicos, cujos valores somados extrapolem à receita bruta máxima admitida para fins de enquadramento como empresa de pequeno porte, a empresa estará impedida de usufruir do tratamento favorecido? Entendo que não, pois como é sabido, a ata é documento vinculativo e obrigacional, com característica de compromisso para futura contratação, a qual não obriga a Administração Pública a contratar (art. 6º, XLVI e art. 83 da Lei 14.133/2021).
Neste caso, o licitante deverá prestar a declaração observando não as atas de registro formalizadas, mas os contratos assinados e os instrumentos que, de acordo com o art. 95, caput, da Lei 14.133/2021, são seus substitutivos: carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço.
Vale dizer que a Administração Pública deverá exigir do licitante o preenchimento de declaração que ateste a observância desde limite, a meu ver, como condição de participação do certame, antes de iniciada a fase de disputa de lances.
É importante destacar que as condições estabelecidas nos §§ 1º e 2º, do artigo 4º, dizem respeito apenas à concessão de tratamento favorecido e benefícios às microempresas e empresas de pequeno porte. Isso não impede que, caso se enquadrem em uma das hipóteses mencionadas, essas empresas possam participar da licitação em igualdade de condições com as demais empresas de ampla concorrência.