Prorrogação de Contratos Administrativos e Registro de Preços: Aspectos Legais e Operacionais

Por Lis Moreira


Os contratos administrativos desempenham um papel crucial na gestão pública, assegurando a prestação de serviços essenciais à sociedade. Um tema recorrente em sua administração é a prorrogação contratual, especialmente em casos de serviços de natureza continuada. Este artigo analisa as possibilidades e limitações legais relacionadas ao tema, com base na legislação aplicável e em entendimentos doutrinários e jurisprudenciais.

O sistema de registro de preços é utilizado pela Administração Pública para registrar, formalmente, os valores relativos à aquisição de bens ou à prestação de serviços, visando a contratações futuras. Trata-se de um instrumento com caráter estimativo, que permite aquisições parceladas sem a necessidade de bloqueio imediato de orçamento, conferindo agilidade e eficiência à gestão pública.

Contudo, ao aplicar o registro de preços em contratações de serviços de natureza continuada, surgem desafios. Esses serviços são caracterizados por atos ininterruptos e sucessivos, que não se esgotam com o fornecimento de um quantitativo, mas sim com o término de um prazo preestabelecido. A limitação a quantitativos pode conflitar com a própria continuidade do serviço, exigindo soluções que garantam a prestação regular e ininterrupta.

Os contratos celebrados a partir de atas de registro de preços estão sujeitos à legislação específica, como a Lei 14.133/2021 e normas correlatas. Em geral, esses contratos possuem duração limitada à vigência da respectiva ata, que é de até 12 meses, prorrogáveis por mais 12. A celebração de contratos administrativos ao final da vigência da ata pode ser uma estratégia para ampliar a validade da contratação e atender às necessidades públicas com maior flexibilidade.

A prorrogação de contratos administrativos está prevista no art. 105 da Lei 14.133/2021, que permite, em casos de serviços e fornecimentos continuados, a extensão por iguais e sucessivos períodos, limitada a 10 anos meses. Essa previsão reflete a busca por condições vantajosas à Administração e pela continuidade do serviço.

Embora a legislação mencione “iguais períodos”, o entendimento predominante é que não há obrigatoriedade de adotar o mesmo prazo do contrato original. A discricionariedade administrativa permite que o prazo de prorrogação seja ajustado conforme a conveniência, desde que respeitados os limites legais e o interesse público.

Na doutrina, por todos, citemos as lições de Ronny Charles:

O presente dilema pode ser corretamente enfrentado a partir da Teoria Funcional do Direito, segundo a qual o célebre Norberto Bobbio, Iibertando-se das amarras do positivismo clássico de Kelsen, avançou na conclusão de que o aplicador da norma, além de resguardar a coerência do ordenamento, deve buscar nos fatos sociais e em outros ramos do conhecimento adequada compreensão do direito positivado, sua função. Uma harmonização com regras de gestão administrativa e do mercado demonstra que uma resposta afirmativa à questão outrora posta, impondo renovações (prorrogações) com o reduzido prazo de 3 meses, é totalmente absurda e comprometeria a própria atividade contratual da Administração. O cumprimento da letra fria da Lei prejudicaria a função da norma, de regrar as contratações públicas com o objetivo de garantir a opção mais vantajosa para o atendimento da necessidade administrativa.

Outrossim, a regencia dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade permite a avaliação jurídica adequada na aplicação do direito na efetivação da função administrativa, uma vez que práticas desarrazoadas e desproporcionais se mostram visceralmente contrárias aos valores jurídicos que governam o Estado Democrático de Direito. (…)

Nesta feita, a estipulação de prazos iguais para as renovações lprorrogaçóes) deve ser desprezada, quando contrária ao interesse público contratual envolvido, podendo haver prorrogação por prazo superior ou inferior, desde que, almejando a obtenção de preços e condições mais vantajosas para a Administração, respeite a vinculação ao respectivo exercício financeiro e ao limite temporal estipulado pela Lei.

Nesse mesmo sentido, a Advocacia-Geral da União, por meio da ON AGU n. 38/2011, orienta que:

ON AGU n. 38/2011.

NOS CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE NATUREZA CONTINUADA DEVE-SE OBSERVAR QUE: A) O PRAZO DE VIGÊNCIA ORIGINÁRIO, DE REGRA, É DE ATÉ 12 MESES; B) EXCEPCIONALMENTE, ESTE PRAZO PODERÁ SER FIXADO POR PERÍODO SUPERIOR A 12 MESES NOS CASOS EM QUE, DIANTE DA PECULIARIDADE E/OU COMPLEXIDADE DO OBJETO, FIQUE TECNICAMENTE DEMONSTRADO O BENEFÍCIO ADVINDO PARA A ADMINISTRAÇÃO; E

C) É JURIDICAMENTE POSSÍVEL A PRORROGAÇÃO DO CONTRATO POR PRAZO DIVERSO DO CONTRATADO ORIGINARIAMENTE.”

FUNDAMENTAÇÃO: Art. 57, inc. II, da Lei n° 8.666, de 1993; Parecer/AGU/NAJSP/n° 0417/2009-MTU; Nota-Jurídica PGBC-72 71/2009; Acórdão TCU 1.858/2004 – Plenário; 551/2002 – Segunda Câmara.

A AGU entende que, excepcionalmente, o prazo de vigência dos contratos poderá ser fixado por período superior a 12 meses (leia-se: superior ou inferior a 12 meses), desde que fique tecnicamente demonstrado o benefício para a administração pública. Além disso, é juridicamente possível a prorrogação do contrato por prazo diverso do previsto no instrumento de contrato, desde que respeitado o prazo máximo de 60 (sessenta) meses. Nesse sentido, por exemplo, é perfeitamente possível, que um contrato seja celebrado pelo prazo de 12 (doze) meses e que seu primeiro termo aditivo de renovação (prorrogação) estipule um prazo de 24 (vinte e quatro meses) de vigência, desde que, repise-se, fique demonstrado a vantajosidade para a Administração.

Tal entendimento é adotado também pelo Tribunal de Contas da União. Vejamos:

Acórdão n° 551/2002, Segunda Câmara

Cabe asseverar, contrariando o entendimento contido na instrução, que a tese defendida por esta Corte de Contas e pela doutrina reinante sobre a matéria é que, na renovação, não flea a entidade obrigada a respeitar o mesmo prazo da contratação original. Pois, mesmo que o texto da norma aluda a “iguais períodos” a leitura muito restrita da norma traria um engessamento para o administrador, o que não era o objetivo do legislador. Se é possível prorrogar por 60 meses, não seria razoável subordinar a administração ao dever de estabelecer períodos idênticos para vigência, seguindo o prazo inicialmente avençado no contrato. Então, nesse aspecto, não haveria qualquer irregularidade na prorrogação por mais 24 meses do contrato inicialmente avençado, com prazo de 36 meses.

Considerações Finais

A gestão de contratos administrativos exige um equilíbrio entre a observância à legislação e a garantia de continuidade dos serviços essenciais. A prorrogação de contratos deve ser avaliada com critério, pautada no interesse público e na conveniência administrativa, evitando soluções que comprometam a regularidade dos serviços. Ao alinhar estratégias contratuais com as necessidades reais da Administração, é possível otimizar a gestão pública e atender de forma eficiente às demandas da sociedade.

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